Por ter passado minha infância na então pacata cidade de Santos Dumont, por inúmeras vezes, ouvia as histórias que caracterizavam a vizinha cidade de Barbacena como a terra dos loucos. Esta imagem sempre esteve acompanhada das lembranças que temos de lá. Estas recordações são rodeadas de uma aura de mistérios. Quem seriam estes loucos? De onde vieram? Por que e como haviam chegado a este grau de loucura? Quais seriam os limites da loucura que levariam homens, mulheres e crianças ao encarceramento, em muitos dos casos, para o resto de suas vidas? Creio que estas questões façam parte do imaginário de muitos que por aquelas bandas viveram. Muitas destas questões foram contempladas no excelente trabalho jornalístico realizado por Daniela Arbex, em seu emocionante livro HOLOCAUSTO BRASILEIRO – GENOCÍDIO: 60 MIL MORTOS NO MAIOR HOSPÍCIO DO BRASIL, recém-lançado, pela editora Geração. Comprei-o assim que vi uma nota no Jornal. O trabalho é impressionante e revelador. Além de muito bem ilustrado, com imagens que nos cortam a alma, a história que vai se mostrando à nossa frente é algo que nem a mais criativa das imaginações teria como conceber. No terreno que fora confiscado, do delator da Inconfidência Mineira, Joaquim Silvério dos Reis, foi construído, no inicio do século XX, o Hospital Colônia. Para lá, durante décadas, milhares indivíduos, de várias partes do Brasil, eram levados, nos chamados “trens de doidos”, expressão imortalizada por João Guimarães Rosa em um de seus contos, muitas das vezes, por motivos fúteis. Era um gigantesco depósito humano, um enorme campo de concentração, onde, indesejáveis de toda ordem, sem diagnóstico de doença mental, “epiléticos, alcóolatras, homossexuais, prostitutas, meninas grávidas pelos patrões, mulheres confinadas pelo marido, moças que haviam perdido a virgindade antes do casamento” eram confinados e tinham o destino selado. Aquilo não era um centro de tratamento, mas um centro de contenção e extermínio. Segundo a autora, havia períodos, em que era registrada, uma média, de 17 mortos por dia, vítimas das mais variadas formas de violência que se possa conceber, como a fome, a exposição ao frio intenso da região, o descaso, negligência, torturas, lobotomias e eletrochoques. Havia dias em que era tão grande a descarga elétrica nos eletrochoques que a cidade ficava sem luz. Entre os anos de 1930 e 1980, teriam sido cerca de sessenta mil mortos. O livro nos permite perceber que expressões como “campos de concentração” e “genocídio” fazem parte de uma história muito próxima e recente, que muitos de nós, testemunhamos e não percebemos. Leitura obrigatória.
Marcos Vinícius.
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