terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Muro Dona Marta - o nosso muro da vergonha.




Muro Dona Marta – o nosso muro da vergonha.


Já há milhares de anos, que os homens se põem a levantar muros e muralhas. Os muros foram criados ainda nos mais remotos tempos como forma de garantir a propriedade privada, expandir impérios e separar os povos. Ao longo da História, incontáveis deles foram construídos. Muitos ainda guardam a memória dos tempos idos, através de suas ruínas ou partes inteiras, dada a grandiosidade de suas dimensões, muitos foram completamente derrubados, e não deixaram para a posteridade, quaisquer vestígios, muitos outros, ainda estão a atormentar populações inteiras, outros tantos, se planejam construir pelo mundo afora, ilustrando, como a intolerância e a arrogância do poder, são manifestações que se perpetuam no tempo, e são, às vezes, mais duras e resistentes que as próprias pedras, com que são construídas as maiores muralhas.

A mãe de todas as muralhas, a muralha da China, cortou o território da Ásia, entre desertos e montanhas, por aproximadamente 6500 km. Nos pontos mais altos, chega a medir 16,5metros e serviu como fronteira do Antigo Império Chinês por mais de mil anos, consumindo o trabalho de cerca de um milhão de homens. Calcula-se que com o material utilizado em sua construção, daria para se construir um muro de 2 metros de altura em torno da linha do Equador. A muralha de Adriano, que protegia a fronteira norte do Império Romano com a Escócia, concluída no ano 126, construída de pedra e turfa, tinha 118 km de extensão. Possuía cerca de 4 metros de altura e 2,5 metros de largura, e de tão larga, foi construída sobre ela, uma estrada, por onde percorriam as sentinelas do Império.

Em tempos mais recentes, um enorme muro, de mais ou menos 150 km de extensão e 4 metros de altura, com cercas de ferro, barreiras antiveículos, arame farpado e mais de 300 postos de vigilância, dividiram um país e uma cidade inteira, entre 1961 e 1989, o memorável Muro de Berlim, símbolo de um mundo dividido em dois. Os territórios palestinos de Gaza e Cisjordânia vêm sendo cercados por muros fortificados, cercas de arame, valas e barreiras por centenas de quilômetros. Em alguns pontos, chegam a medir 9 metros de altura, mais que o dobro da altura do muro de Berlim. O imperialismo norte-americano não podia ficar para trás e o governo de George W. Bush, com o respaldo do Congresso, vem construindo um muro gigantesco para separar os EUA, da América Latina, na fronteira com o México. Diversos outros muros e valas de separação distanciaram homens e povos ao longo dos tempos. Como exemplos mais recentes, poderíamos citar ainda, as barreiras físicas que tornaram incomunicáveis cipriotas, turcos e gregos, irlandeses católicos e protestantes, coreanos do norte e coreanos do sul, dentre tantos outros.

O imperador Adriano, no momento da expansão máxima de seu Império, procurava protegê-lo dos bárbaros que vinham do norte. Os imperados chineses na Antiguidade, num esforço monumental, tentavam impedir a penetração de tribos nômades da Mongólia e da Manchúria em suas fronteiras. O muro de Berlim dividiu o mundo e separou os povos, entre os que viveriam na banda ocidental da cidade, sob os ditames da economia americana, e os do lado oriental, que estariam sob o domínio da União Soviética. Os muros construídos por Israel têm como finalidade primeira encarcerar os palestinos. Na faixa de Gaza, com 40 km de extensão e 10 km de largura, vivem confinadas cerca de um milhão e meio de pessoas. O chamado muro de Bush, em construção, visa, fundamentalmente, afastar os pobres do Sul, do paraíso e das oportunidades que muitos esperam encontrar no Norte rico. Para isso servem os muros, anexar e expandir domínios, expropriar territórios, garantir a propriedade, separar os homens, humilhá-los, confiná-los, subjugá-los, ou até mesmo, eliminá-los, o que torna-se mais fácil, quando estão encurralados.

O governo do Estado do Rio de Janeiro pretende construir também o seu muro, podendo, inclusive, criar mais um símbolo nacional. O muro, já para ser construído, orçado em 980 mil reais, terá quase 650 metros de cumprimento, e terá altura bem próxima à do muro de Berlim, 3 metros. A obra será realizada para cercar uma lateral inteira do Morro Dona Marta, Botafogo. De acordo com o governo, basta cercar apenas um lado da favela, pois do outro lado, há um plano inclinado e muros de propriedades particulares. De acordo com as notas oficiais, o muro será uma forma de conter a expansão da favela e também impedir a devastação da floresta vizinha. “A proposta é de proteção ao meio ambiente. Quando não há rochas ou outros protetores naturais, a comunidade avança na mata.”, diz Ícaro Moreno, presidente da Empresa de Obras Públicas do Estado. Segundo a assessoria do governo, “estamos investindo na ordem pública, enfrentando o tráfico de drogas e as milícias, impondo limites ao crescimento desordenado. Os ecolimites vão ao encontro dessa política de investimentos sociais com ordem pública”, diz a nota. Veja a peculiaridade brasileira. Aqui os muros da exclusão e do segregacionismo são chamados de ecolimites. Não há como doirar a pílula. Apesar da denominação com viés ecológico, a intenção do governo vai muito além que, minimamente, proteger a natureza.

Os ecolimites, como afirma o próprio governo, vão ao encontro da política de investimentos sociais com ordem pública. De acordo com a propaganda oficial, o Morro Dona Marta foi a primeira favela do Rio em que a polícia conseguiu acabar com o tráfico de drogas, desde a ocupação policial ocorrida em 19 de novembro de 2008. A construção do muro faz parte das táticas de combate ao narcotráfico e também, da estratégia da guerra aos morros. Em 2004, o governo de Rosinha Mateus, manifestou a intenção de cercar a Rocinha, mas acabou recuando, após a resistência da comunidade. A meta dos governos parece ser tentar deter o crescimento destes bolsões de miséria através de uma ação policial truculenta e da construção de muralhas. É uma política de criação de guetos, inspirada em modelos estrangeiros. O atual governador do Rio, Sérgio Cabral, em entrevista recente, ao se enveredar pela polêmica discussão sobre o aborto, afirmou: “Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal. O Estado não dá conta.” De acordo com o governador, os pobres se reproduzem em proporções perigosas. É necessário contê-los. A construção do muro insere-se nesta lógica. Ademais, se observarmos atentamente os mapas e as fotos de satélite, veremos que o morro da Marta é uma mancha de pobreza em um dos principais cartões postais do Rio de Janeiro e quase uma ilha de escassez cercada por uma bela paisagem, por áreas nobres e grandes mansões.

O morro Dona Marta possui cerca de 7.500 moradores, e segundo o presidente da associação de moradores do morro, José Mário, em nenhum momento, os líderes da comunidade local foram consultados sobre a viabilidade e conveniência da construção do muro. O Brasil agora se orgulha, por ter uma das 7 maravilhas do mundo moderno, o Cristo Redentor, o que se tem que perceber, é que bem abaixo do seu gigantesco nariz de pedra, um outro símbolo nacional é forjado, o nosso muro da vergonha.


Marcos Vinícius.