sábado, 14 de novembro de 2020

Às urnas

 


Amanhã é dia de retornarmos às urnas. Já são dois anos que o fizemos pela última vez e os estragos são, não apenas explicitamente visíveis, como a maioria da população brasileira já sente na pele, muitos no estômago, a dimensão da irresponsabilidade que a cada dois anos deposita nas urnas. Amanhã vou até a urna com um sentimento de apreensão, não apenas pelos excessos de precauções sanitárias que há que se tomar até o momento do voto, mas pelos resultados que colheremos de nossas novas escolhas. Obviamente, não podemos nos largar das esperanças, pois sem elas, o que nos resta? Porém, ao observarmos um pouco atentamente o Brasil que vai às urnas, não nos faltará motivos para preocupações. O Brasil que vai às urnas é um país doente, não apenas pela pandemia que já matou mais de cento e sessenta mil brasileiros e pelos milhões de infectados, mas por possuir um eleitorado de uma irresponsabilidade tal que, pode alçar aos cargos de controle e aos governos, loucos, perversos, sádicos, assassinos, malfeitores de toda a ordem, da noite para o dia. Nos últimos anos, o festival de ignorância e de absurdos que temos visto, por parte de uma ampla parcela do eleitorado, realmente, é de fazer cair o queixo e arrepiar os cabelos. O Brasil que vai às urnas amanhã é um país que desconhece seu passado, ainda cai nas mesmas armadilhas de sempre, a cada eleição, mais sofisticadas, um país que mitifica bandidos e sádicos, e especializou-se na arte de atirar nos próprios pés. O Brasil que vai às urnas amanhã ainda carrega quem defenda torturas, ditaduras, genocídios, extermínios em massa e a senzala. O Brasil que vai às urnas amanhã é o país que lota templos suntuosos, supostamente cristãos, onde fiéis louvam a deus fazendo arminhas com a mão. É um país de desigualdades profundas. O Brasil que vai às urnas amanhã é o país da impunidade, da fake news, do império da mentira, que aplaude a retirada de direitos, a pena de morte, a subserviência e o entreguismo. O Brasil que vai às urnas amanhã é o país do dedo duro, do puxa saco, do lambe botas, dos sem noção, da não ciência, que queima livros, apaga a poesia, desconstrói conhecimentos, culturas e saberes. O Brasil que vai às urnas amanhã é o Brasil sem saúde, sem educação, sem políticas públicas, sem criatividade política, é o país que nega cidadanias e a própria vida. O Brasil que vai às urnas amanhã é o Brasil que estaciona sobre o meio fio, fura filas, avança os sinais, que atropela sem olhar para trás, do golpe fácil, da mentira deslavada. É o país onde há quem defenda que a Terra é plana, que é contra vacinas, e que diante da economia e do capital, a vida é nada. O Brasil que vai às urnas amanhã é o Brasil, onde morrem mil pessoas a cada dia, vítimas do novo coronavírus e da ignorância em sua modalidade mais mortífera e assustadora. O Brasil, onde se enterram mil a cada dia, mortos pela pandemia, é o Brasil que programa festas, comemorações, churrascos, reuniões familiares, enche os bares, visita parentes, amigos, vizinhos, onde se tosse uns sobre os outros. É o Brasil que mata o segurança do supermercado, ao ser cobrado sobre cuidados mínimos. O Brasil que vai às urnas amanhã é um pobre doente, trocou os sonhos pelo engano, e aglomera-se com a máscara no pescoço. São mais de quinhentos mil candidatos na disputa em todo o país. O que sairá daí? Ouço muitos candidatos dizendo que há que se votar com a esperança, pois o voto do ódio já nos trouxe estragos demais. Que assim seja. Um bom voto para todos.

 

Marcos Vinícius.

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Novembro

 




Nos últimos dias, em São Paulo, no Brasil e nas vizinhanças, temos vivido momentos de euforia e entusiasmo entre as forças democráticas, progressistas e de esquerda, apesar de tantos absurdos e retrocessos. A vitória das forças populares no Chile que, em plebiscito, disseram não a constituição de Pinochet, a expulsão dos golpistas do governo da Bolívia, a derrota de Trump e a ascensão da candidatura de Guilherme Boulos, em São Paulo, reacenderam esperanças, como há muito não se via aqui entre nós. O governo Bolsonaro vai se enveredando por tortuosos caminhos de contradições e embaraços, perversidades e psicopatias, a ponto de tornar-se, a cada dia, mais difícil até mesmo para seus mais fiéis e fanáticos seguidores, armar-se de qualquer defesa, dentro de qualquer razoabilidade. A ameaça de guerra aos EUA, pois, é disso que se trata quando se fala em pólvora, lança o bolsonarismo na esfera do ridículo, de forma ainda mais radical e com repercussões globais, para muito além dos terraplanismos. Talvez Bolsonaro tenha dado, com o episódio, um dos maiores tiros no pé, pois os gigantes de lá, por mais que briguem entre si, não demora, as forças se ajeitam e o mercado da política se acomoda, mas, geralmente, são intolerantes e implacáveis com a traição e a insubordinação de seus capachos, do lado de fora. As perspectivas para a famílicia já não são as melhores. Em São Paulo, a campanha de Boulos é uma das mais bonitas do país, há nela um entusiasmo, um carisma, emoção, interatividade, criatividade e engajamento, que parecem revitalizar as forças de esquerda e o ânimo dos setores populares organizados. Pelas últimas pesquisas, Boulos teria ultrapassado Russomano e, portanto, ocupa o segundo lugar na disputa, credenciando-se ao segundo turno. São Paulo é o epicentro da disputa política nacional, senão latino-americana, ao longo desta semana. A vitória de Guilherme Boulos é uma amarga derrota para os tucanos paulistas, que há anos fazem do Estado, seu ninho privilegiado, e uma pancada no bolsonarismo, representado na patética figura de Celso Russomano. Situação dramática vive também o PT. Seu candidato não decola e sequer foi convidado a participar do debate promovido pela UOL e Folha de São Paulo, pois apenas os quatro primeiros colocados compuseram a mesa. Incômodo ainda maior para o partido ocorrerá se Boulos perder a vaga no segundo turno, pela falta dos votos que foram para o candidato petista. Aí teremos uma disputa entre Bruno Covas e Celso Russomano. Para Lula, talvez não haja cenário pior. Se saiu grande da apertada cela de Curitiba, sairá menor, diante dos olhos do mundo, atentos à entusiasmada campanha, de ampla mobilização popular, que se construiu para combater o fascismo e a direita, a partir da cidade de São Paulo. A uma hora destas, o ronco do motor da Kombi do Boulos está tirando o sono de muito gente. Porém, o que se tira desta história toda, é o fato da gente ainda ter alguma esperança.

 

Marcos Vinícius.

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Sabiás

 


O pequeno mico saltou de uma árvore para outra, da árvore para os ferros da grade, para outra árvore, e por fim, atravessou a rua, equilibrando-se sobre um fio que conectava dois postes elétricos, sem que fosse poupado um segundo sequer dos ataques de furiosos sabiás que lhe deram fortes e, certamente, dolorosas bicadas. A perseguição foi implacável, vários deles, por um bom tempo e longo percurso atacaram o pequeno primata, sem qualquer trégua ou piedade. Não sei o que fez o macaquinho para merecer tão contundente ataque e parece ter se safado, graças a uma inigualável habilidade em deslocar-se entre árvores, postes e muros. Talvez tenha importunado os pássaros marrons, de bicos finos e avantajados em seus ninhos, alimentando-se de seus ovos, ou ameaçando filhotes, isto não é possível saber. Hoje, tenho sabiás como vizinhos bem próximos, convivemos e trocamos olhares. Possuem um ninho enorme, vistoso, do qual, devem orgulhar seus arquitetos, sobre uma passagem por onde transito. Na maioria das vezes, quando me aproximo, voam em debandada, noutras, porém, posicionam-se bem à minha frente, como, se desta vez, enfim, fossem me impedir a passagem. Encaram-me fixamente, olhos bem abertos, sem piscar, como a medir-me dos pés a cabeça, e permanecem completamente imóveis, inertes, onde até as mais finas penas, resistem aos movimentos do vento. Neste momento, ponho-me a imaginar quantos metros a menos eu precisaria ter para, assim como o pequeno mico que fugia apavorado, ser, também eu, alvo das tão incisivas bicadas. O jeito é torcer para que a altura, peso e volume, de fato, inibam ações mais agressivas das aves guerreiras ou que sejam elas, assim como eu, adeptas das políticas das boas vizinhanças.

 

Marcos Vinicius.