domingo, 21 de setembro de 2008

De Debby para Megh



Segundo Pedro Ynterian, presidente do GAP International (Great Ape Project), sigla em inglês para Projeto dos Grandes Primatas, como é conhecido no Brasil, as macacas Debby e Megh, "Só não sabem falar". Não seja por isto, aqui, Debby falou.

(Para conhecer a história real de Debby e Megh, acesse : http://www1.folha.uol.com.br/folha/bichos/ult10006u445001.shtml)
De Debby para Megh

Sabe Megh, fico às vezes, pensando o que será de nos depois que os humanos, através das suas leis, seus juízes, organizações, tribunais, decidirem o que farão com a gente. Segundo um ex-ministro da República, “cachorro também é gente”, então não entendo o tratamento tão desumano que nos é dispensado, logo nós, que somos os parentes mais próximos desta especiezinha arrogante e prepotente que é esta espécie humana. Para quem não sabe, tem um grupo de cientistas que já propõe que os chimpanzés sejam incluídos no gênero Homo, em função da enorme semelhança entre nós e eles. Sim, não fosse o excesso de pelos, a locomoção quadrúpede, e um cérebro talvez pouco avantajado, seríamos sua própria imagem e semelhança. Mas sabe-se lá, talvez seu Deus assim o quisesse. Assim o fez. Mas a questão teológica, não é algo, que a nós, já preocupa. Preocupa sim, agora, a lei dos homens. Em breve nosso destino estará traçado. Decidirão por nós. A polêmica ainda, por algum tempo, deverá ocupar as páginas dos jornais. E os humanos, mais uma vez, se divertirão às nossas custas. Ora, onde já se viu?? Habeas corpus para chimpanzés. Megh, em breve, nosso destino será selado. Decidirão os homens, se permaneceremos neste santuário, que nos foi proporcionado pelo pai-empresário-paulistano, ou se seremos enviados para a floresta, para nosso habitat natural, que desconhecemos por completo, pois nascemos em cativeiro. Não é pouca coisa que está em jogo. Viramos polêmica nacional. Piada de botequim. Discussões infindas entre o magistrado. Bagunçamos Megh, a agenda dos humanos. Os mesmos humanos que afirmam que possuímos mais semelhanças que diferenças em relação a eles, afirmam também que somos destituídos de direitos, pois somos apenas bichos. Ora, bolas. Ah Megh, se pudesse falar. Ah... Megh, eu os desafiaria a todos. Os desafiaria a prestação de contas. Empunham os homens bandeiras da luta de classes, lutas entre nações, é a história, mas e a luta entre eles e nós? Somos alvo de grande extermínio. Em dez anos, nossa população de chimpanzés caiu de um milhão e meio para menos de duzentos mil. Um verdadeiro genocídio. Somos caçados, humilhados, torturados, traumatizados. Quando não nos matam, somos cobaias em centros de pesquisas, ridicularizadas nos zoológicos, pela espécie assassina que se considera tão nobremente superior. Evoluída. Sabe Megh, não temos escolha. Duas são as opções que tomarão por nós. Ou permaneceremos neste santuário ou deveremos ser mandados para nosso habitat natural. Uma floresta qualquer desconhecida. Destas, devastadas, doentes, apodrecidas, onde as mais variadas espécies vivas agonizam. Sim, devastadas por eles. Ou então, permaneceremos sob a guarda deste pai humano que tão bem nos adotou. Sim, aqui, presos neste santuário feito e adaptado exclusivamente para nós. Não há liberdade em qualquer uma das opções. O mundo não nos pertence. Nossos territórios foram expropriados, nossas famílias, eternamente separadas. Talvez, para nós, a opção do pai-empresário seja a preferível, a “menos pior”, na medida em que gozaremos de relativo conforto, bajulação, e uma alimentação farta e saudável, ao passo que na floresta, provavelmente não sobreviveríamos por muito tempo, pelos motivos, que já todos conhecem. É Megh, normalmente, os chimpanzés que vivem em santuários, costumam viver até duas vezes mais que os que vivem à solta na mata. Muitos chimpanzés de santuários protegidos chegam aos oitenta anos de idade. Quanto a nós, somos muito jovens ainda, mas pela vida que temos aqui, com brinquedos, jogos, piscina de bolinhas, skates, redes e até um laptop, dificilmente sobreviveríamos por muito tempo nestas florestas tropicais devastadas e infestadas de caçadores. Será um destino cruel. De certa forma, irmã, temos bastante sorte. Do beco evolutivo quase sem saída, caímos nos cuidados e graças de um empresário, categoria social muito bem sucedida entre os humanos. Sim, acho que é sorte. Afinal, somos seres territoriais. Temos agora, um território garantido; são cerca de mil metros quadrados construídos e cinco ambientes, num terreno com mata e um rio ao fundo, em pleno estado de São Paulo. Além de alimentação garantida e boas horas de sono. Não é para qualquer um. Ora Megh, somos macacas de sorte. Talvez, sejamos as mais sortudas do planeta. Existirão outras no mundo em situação de maior conforto?! Ah. irmã.... Juro que gostaria de saber. Afinal, se livres não podemos ser, em parte alguma, pelo menos, que sejamos proprietárias e bem alimentadas. Estamos em condições melhores, que de muitos seres humanos, pode ter certeza. São nada menos que cinco refeições diárias em nosso rico e variado cardápio. Quase vencidos no conflito evolutivo milenar que nos deixa à beira do extermínio, encontramos, as duas, a tábua de salvação, nesta família de humanos, da categoria social vencedora entre os próprios humanos, que tentam garantir para nós não apenas o conforto da propriedade, mas o direito jurídico ao habeas corpus. Sabe Megh? Acho que entraremos para a história. Dos homens, bah.


Marcos Vinícius.

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