segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Raskólnikov

 


Neste ano, finalmente, pude ler Crime e Castigo, de Dostoiévski. Esta obra monumental e intrigante, tem como protagonista, Raskolnikov, um jovem estudante, que resolve assassinar uma velha agiota, e assim o faz, de forma fria e calculada. Após o assassinato brutal, Raskolnikov é assolado por um tormento tal que o adoece a ponto de, por fim, confessar a sua culpa. Ainda que na conturbada mente de um assassino confesso, o autor assoma uma dimensão ética à condição humana, onde o próprio assassino, não vê alternativas possíveis, além do sofrimento, a prisão e o castigo. Raskolnikov é uma metáfora as avessas do que se tornou uma parte do Brasil. Quais foram as barreiras éticas demolidas para que agentes do crime organizado transformem-se em símbolos de salvação nacional? Quais foram os limites que tivemos que transgredir para que autodenominados cristãos, substituam a dimensão do sagrado pela violência da pólvora? Onde perdemos a compaixão? O que terá ocorrido pelo meio do caminho para que um pedaço da sociedade brasileira eleja como mito, quem adota políticas genocidas, como recusar-se a imunizar o país, deixando uma população inteira refém de um vírus demolidor, além de desdenhar das centenas de milhares de mortes alheias? Lembra-se que as metas iniciais eram uns trinta mil? A quantas andam as contabilidades dos genocidas que nunca dormem? Onde foi que nos tornamos isto? Talvez, lá das brumas e névoas da São Petersburgo do século XIX, Raskolnikov  nos observe, atônito e assustado, de ver como por aqui, fazemos da morte, espetáculo, redenção e glória, em uma terra sem leis, onde o crime, sequer merece o castigo. E com indiferença, fria e mórbida, não enxergamos os mortos.

 

Marcos Vinícius.

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