O calor da manhã, associado a uma
considerável dose de nervosismo e ansiedade, fazia com que filetes frios de
suor corressem sob a camisa laranja que Ermínio escolhera para aquele dia.
Apesar de não fazer qualquer esforço físico naquele momento, a longa espera e a
expectativa do que poderia ocorrer na entrevista que aguardava, aumentava o
volume do suor salgado, que escorria quase pelo corpo inteiro e, em pouco
tempo, a camisa ficara praticamente ensopada. Procurava conter-se, respirava profundamente
e esforçava-se para tranquilizar seu pensamento, o que parecia ser impossível,
sabia que a tensão excessiva poderia fatalmente comprometer o sucesso da sessão
a que esperava submeter-se. Apanha uma folha verde caída ao chão, observa-a
detidamente, alisa a textura, acompanha com a ponta dos dedos suas estrias e
veias, quebra-a, dobrando-a em várias partes, arrancando-lhe o resto de seiva,
que ainda guardava consigo, antes que o sol e o vento a secassem de vez. Por
fim, esfrega as folhas entre os dedos, esmagando-a freneticamente, tingindo as
unhas de verde e de uma gosma esbranquiçada. Por várias vezes, repete o mesmo
movimento, até que folha úmida, desfigurada, transforme-se completamente em pó.
Quando encontrava-se já com as mãos vazias e levava os dedos próximos das
narinas para verificar o perfume que a operação lhe deixara, é surpreendido
pelo sentinela que lhe anuncia a vez. Senhor, a Diretora o aguarda. Ermínio
levanta-se, apesar das pernas fazerem um movimento contrário, quase o puxam
para o banco novamente, mas ele mantém-se firme, de pé, e entra na sala
iluminada.
As mulheres que o atenderiam
ajeitavam-se em seus lugares; a terceira a sentar-se, que ocuparia a lateral
direita da mesa, ainda não havia terminado de bater o ponto no equipamento
eletrônico, pendurado próximo da porta de entrada, quando Ermínio senta-se na
cadeira que lhe fora reservada. Enquanto aguardava o início da conversa,
observava seu entorno. A mulher assentada bem ao seu lado, à esquerda,
terminava de ajeitar os papéis sobre a mesa e abria uma agenda, onde certamente
realizaria algumas anotações. A outra, bem à sua frente, ocupando o centro da
mesa, mantinha-se imóvel, a observá-lo, discretamente. Parecia estar plantada
ali há séculos, petrificada, como se tivesse o corpo de concreto, tinha a pele
muito branca e os olhos fundos e roxos. Há quantos séculos permanecia naquela
posição? Sua imagem confundia-se com a paisagem do fundo e Ermínio temia que
seus olhos encontrassem com os dela. A última a sentar-se, após enfiar o cartão
do ponto no bolso dianteiro da calça, observa-o, até o momento que ele se vira
para ela. Ela mantém uma ansiedade incontrolável, parece nunca encontrar uma
posição adequada na cadeira que ocupa e esfrega-se nela o tempo todo. Dobra a
perna para um lado, para o outro, ajeita os óculos na face, alisa o cabelos,
enrola-o, faz e desfaz uma trança, joga-o para trás e depois, ajeita-os sobre
os peitos fartos, comprimidos sob a blusa branca.
Não era a primeira entrevista de
emprego a que o pobre se submetia na semana. Dado o colapso da economia mundial,
mal sentava-se na cadeira e já ia a levantar-se em busca de outras salas,
mesas, cadeiras, diretoras, gerentes, empresas. Perdera a conta de quantas
portas havia batido nos últimos quinze dias, em busca de uma oportunidade de
trabalho. Mas não tinha como render-se. Insistiria, até que conseguisse, não
havia qualquer possibilidade de desistência, de jogar a toalha. A mulher, à sua
esquerda, anuncia que, finalmente, a entrevista teria início. É feita a primeira
pergunta. Talvez, em função das repetidas tentativas, das múltiplas entrevistas
e infinitas recusas a que se submetera nos últimos tempos, a voz lhe sai
pesada, como presa à garganta, sofrida, cansada, mas procura responder da
melhor maneira que dá conta. Não prolonga as palavras, busca objetividade e
precisão, mas elas, as palavras, mesmo curtas, revelam seu espírito, acabam por
colocar sobre a mesa um pedaço considerável de si. Ermírio era uma alma
humilde, apesar de vestir-se com roupas limpas e bem passadas, não carregava
marcas, adornos e ostentações. As peças, por exemplo, eram de tecido barato, e
lembravam as de produção doméstica, caseira. Suas mãos, grossas, indicavam
muitos anos de trabalho pesado, os sulcos no rosto, as rugas precoces, lhe imprimiam
uma idade mais avançada do que realmente possuía. É feita a segunda pergunta.
Ele mantem o tom e pausadamente, responde, espremendo o pedaço de papel, que
suas mãos, quase involuntariamente, capturaram sobre a mesa. Assim que conclui
esta segunda resposta, as mulheres se entreolham e, com um gesto combinado,
codificado, selam a sorte de Ermínio, ele não seria contratado.
Mesmo assim, mediante um pacto
silencioso, combinaram entre elas, que a agonia do candidato se prolongaria. A
expressão das três, a partir daí, seria outra. A da esquerda, mexe mais uma vez
os papéis e começa a rabiscar garatujas nas páginas da agenda amarela que tinha
sob as mãos, a do meio, mantinha-se petrificada, sólida, com o olhar duro e
congelado, medindo os gestos e o desespero do homem, que suava rios, diante de
si. A esta altura, o pobre fora tomado de uma sensação de pânico, as batidas
cardíacas intensificavam-se, sem que soubesse por quê; a outra, a terceira,
rebolava inquieta sobre a cadeira, que chegava a arrastar-se; o cabelo, talvez
de tanto que o pegava e retorcia, tinha um aspecto oleoso e engordurado, mas
ela, mesma ansiosa e agitada, parecia divertir-se. Fitavam Ermínio e
entreolhavam-se. Depois de trabalharem há um bom tempo juntas, aprenderam a ler
os olhares, os silêncios e os gestos umas das outras. Comunicavam-se sem que o
entrevistado o percebesse. Uma sensação de fraqueza e desânimo percorre o corpo
de Ermínio e um golpe de cansaço faz-se sentir em cada uma de suas veias e
células e a pressão arterial parece cair. Mas não tinha o direito de esmorecer,
não podia. Levanta a cabeça, raspa a garganta, ajeita o colarinho e procura
fugir aos olhares das inquisidoras, aventurando-se a observar os detalhes do
escritório. É uma repartição burocrática, lotada de papéis, manuais, estantes,
armários e dois computadores. Na parede ao fundo, um quadro grande, traz o
retrato de um homem de meia idade, uma gravata cafona, cabelos grisalhos, olhos
inchados e bochechas gordas, que mais lhe recordava um sapo. Certamente é o
chefe. Aos pés da gravura, havia uma inscrição com um nome e título, que aquela
distância, não conseguia decifrar. Observando a rápida distração do
entrevistado, a inquisidora à esquerda, aumenta e endurece o tom da voz e das
perguntas.
Das questões de natureza profissional,
já quase esgotadas, em uma entrevista que já se estendia além do previsto e
desejável, iniciam uma devassa em sua vida pessoal, privada. Está desempregado
há muito tempo? Como faz para viver nestas condições? Tem filhos? Garotos,
garotas, um casal? Sua esposa, se é que possui uma, também está fora do mercado
de trabalho? O senhor fuma ou bebe? Mora em casa própria? A família é numerosa?
É desta cidade ou forasteiro? Sabe com quantos paus se faz uma canoa? Sabe resolver
equações, domina programas de computador? Prefere carne de boi ou de porco?
Café ou chá? A da esquerda apoiava-se sobre os cotovelos e aproximava-se de
Ermírio, mostrava-se tranquila e, não fosse a gola puída, talvez aparentasse um
estilo aristocrático; era a que mais interrogava. A do meio, estátua, gélida,
incompreensível, fez algumas poucas perguntas sem que, incrivelmente, abrisse a
boca. Permaneceria ali, plantada, por mais mil anos. A terceira, tagarela, não
falava coisa com coisa, era a que apresentava as questões mais desconexas, não
as mais embaraçosas. Seus pés e mãos contorciam-se em volta de si mesma. Quando
não havia mais o que perguntar, viram-se para Ermírio, exaurido, e dão a
sentença final, que já traziam consigo desde os primeiros minutos da sessão
interminável, ainda na segunda pergunta. Infelizmente, Senhor Ermínio, para o
perfil que apresenta, nosso quadro está lotado, concluiu. Aqui estão seus
documentos, lhe desejamos uma boa sorte e, quem sabe em uma próxima ocasião.
Ermínio, um pouco atordoado e confuso, levanta-se, agradece e, finalmente deixa
o local. Ali, certamente, nunca mais voltaria.
Não se passaram dez minutos que o
pobre havia se retirado e, com um pontapé na porta, que quase desaba, fazendo
as três saltarem assustadas de seus assentos, entra bufando o chefe, o do
retrato na parede. Ainda que, com a cara de sapo, como havia constatado
Ermínio, fedia como um porco. O cheiro de cigarro e o odor impregnado de álcool
alteravam sensivelmente o ambiente da sala. As três, subitamente, murcharam. O
homem dá um soco na mesa da recepção, joga um maço de papéis no colo da mais
inquieta, que treme descontroladamente, passa um lenço encardido sob a bochecha
gorda e suada, abre os primeiros botões da camisa e esbraveja. Mas que diabos,
quantas vezes preciso dizer para não deixarem todas as lâmpadas acesas? Da
próxima vez, vão as três, juntas, para o olho da rua. De cabeça baixa, caladas,
retomam seus afazeres. A da esquerda faz anotações na agenda, a do meio muda os
manuais de lugar, sem se mexer, a outra, em um rodopio rápido, senta-se em
frente ao computador, resignadas. O chefe permaneceria ali, pelo resto do dia,
onipresente, autoritário e absoluto. Um cheiro de urina e enxofre impregnava toda a
atmosfera.
Marcos Vinícius.
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