sábado, 6 de junho de 2009

Amor digital




Amor digital


Fazia três meses que se conheciam. Mais um destes relacionamentos modernos, resultado da procura por príncipes encantados e princesas dos sonhos infantis, que ainda perturbam a mente dos jovens e velhos, pelos bilhões de sites, agências de encontros, namoros, que se encontram tão fartamente no mundo virtual. Afinal, não eram os primeiros contatos que um ou outro faziam; na verdade, já haviam tido a oportunidade de trocarem e-mails com vários outros pretendentes, mas nada como agora, entre os dois. Os contatos anteriores pareciam frágeis, insignificantes, ante as novas impressões que são agora trocadas. As listas de contatos de um e de outro, caíram no esquecimento. Um tornou-se a lista do outro. Aqueles versos trocados, milhares de rimas de amor, imagens e fundos musicais edificantes, com os contatos anteriores, pertenciam já ao passado. E embrenharam-se, agora, em uma incessante troca de palavras, olhares e afagos digitais, praticamente diários. O círculo se fechou. O fluxo de mensagem entre as caixas de correio é cada vez mais freqüente. São muito eficazes os novos filtros de busca utilizados pelas grandes empresas, e neste caso, parecem ter realmente acertado. Os perfis pareciam feitos um para o outro. Na medida em que trocavam suas confidências diárias, suas imagens, não imaginavam mais a possibilidade de separarem-se, mesmo separados estando. Nunca talvez, os dados tenham se cruzado com tanta perfeição. O serviço parecia ter oferecido o impossível, acreditavam terem encontrado, enfim, suas almas gêmeas, seus pares perfeitos. Estavam admirados, encantados, em estado de graça, pelo novo achado, pela descoberta. Como não havia aparecido um para o outro há mais tempo? Por que o tempo fez-lhes tanto esperar? Com intervalos menores do que se possa imaginar, consultam não apenas suas caixas de correio eletrônico, mas seus perfis em comunidades diversas, e literalmente vasculham, rastreiam a vida um do outro. Sabem de cor os nomes de todos os amigos, dos amigos dos amigos, que também compartilham, participam dos mesmos grupos, e dos mesmos tópicos de discussão, um a reafirmar o outro, a abrir-lhe o caminho ou aparar a retaguarda. Era uma aventura nova e curiosa, para ambos. Ouviam músicas juntos, discutiam-nas, liam artigos, crônicas, assistiam a vídeos, se interagiam da forma como ainda não testemunharam os tempos e a história. Mensagens de textos, arquivos, figuras, beijos, torpedos, paraísos, num ir e vir estonteante, que acabou por entorpecer aos dois. Entregaram-se. São cúmplices, enfim. Era noite de sábado, ela um copo de vinho, ele uma garrafa de cerveja. Conectam-se. Ela está ansiosa, ele afoito. Acertam-se diante o teclado. Ela apaga a luz. Vêem-se pela tela escura. Ele geme seu nome. Ela se faz obscena. Gozam os dois, entre léguas intransponíveis e sem se conhecerem de fato.



Marcos Vinícius.

Um comentário:

José Oliveira Cipriano disse...

Oi,Marcos Vinícius!!!!!
Amigo,é só uma passagem rápida, só para dizer que não esqueci de você.
Seu blog tem o visual belíssimo!!!!
Meus aplausos!!!!!! Como você manda bem na prosa!!!!!!! Ainda estou sem net, estou usando a de um amigo e, você sabe: não é a mesma coisa de estar em casa.
Um grande abraço!!!!!!
Desejo-lhe muito sucesso!!!!!
Você merece!!!!!!

Oliveira