Quem procurar pelo nome Gustavo Dudamel em sites de busca, como o Google, por exemplo, irá, certamente, admirar-se pelo formidável contingente de fãs e de elogios que vem recebendo pelo mundo todo, o jovem maestro venezuelano de apenas 28 anos. Encontraremos depoimentos em artigos especializados do tipo “não há promessa mais fulgurante”, “a música em estado puro”, “um milagre”, “o maior maestro do planeta”, “o maior prodígio da música erudita e o melhor monstro vivo”. Ou como diz seu mentor José Antônio Abreu, “Gustavo é uma glória universal para a América Latina”. Sir Simon Rattle, diretor da Filarmônica de Berlim, declarou, “Gustavo é o regente mais assombrosamente dotado que já vi”. O jovem, que nasceu em Barquisimeto, a 260 km de Caracas, de família humilde, é o mais recente fenômeno da música erudita mundial. As 17 anos, torna-se diretor artístico da Orquestra Jovem Simon Bolívar, na capital. A partir de 2005 desbrava o mundo, que acaba por desbravá-lo. Gustavo assumiu, como convidado, a regência das Filarmônicas de Berlim, Viena, Nova York e Israel, além de ópera no Scala de Milão. Em 2006 é escolhido diretor da Sinfônica de Gotemburgo, na Suécia, e agora, em 2009, assume a direção musical da Filarmônica de Los Angeles. Gravou pela Deutsche Grammophon, Beethoven, Mahler e acaba de lançar um álbum interpretando Tchaikovsky.
A regência de Gustavo encanta a todos. Não há quem não fique embasbacado ao ver o sujeito, praticamente em transe, se agitando, perante uma multidão de jovens afinadíssimos, fazendo ressoar, uma música como certamente, nunca se ouviu, no mínimo, inédita e fantástica. Gustavo transforma-se em música, como se diz acima, praticamente em “estado puro”, e acaba por dar à música que cria com sua orquestra, um toque próprio, que ninguém mais teria como fazer. Dono de uma energia e originalidade musical que impressionam. O maestro representa um envolvimento tão íntimo e apaixonante pela regência, que cria com seus músicos, um vínculo aparentemente mágico. Um fenômeno que certamente, e felizmente, veio para ficar. Tornou-se já, tão jovem, um nome obrigatório na história da música erudita universal.
O que de imediato se poderia perguntar, é como um garoto pobre, de família pobre, de uma região pobre da pobre Venezuela pode chegar ao fascinante estrelato de Gustavo Dudamel? Se repararmos ao redor, veremos que este fenômeno não está só, ou não é algo isolado. Temos outros exemplos na Venezuela, como Edicson Ruiz, 23 anos, um empacotador de supermercado que aos 17 anos tornou-se o mais jovem contrabaixista da Filarmônica de Berlim. Se prestrarmos ainda um pouco mais de atenção, veremos que a Venezuela é um país com um número extraordinário de jovens e crianças que se dedicam por quatro horas diárias, em seis dias da semana, já a partir dos dois anos de idade, à música clássica. As crianças, além das lições, ganham seus instrumentos. Estima-se que cerca de dois milhões de jovens e crianças já tenham passado pelos cursos oferecidos pelo Estado, nos pouco mais de 30 anos de existência da chamada Fundação do Estado para o Sistema de Orquestras Jovens e Infantis da Venezuela. São ao todo, 125 orquestras juvenis, 57 orquestras infantis e 30 orquestras sinfônicas profissionais para adultos. Aproximadamente 250 mil crianças, noventa por cento delas, de famílias pobres, são estudantes de música erudita em todo o país. São 1.800 professores. A Fundação, vinculada ao Ministério da Saúde e do Desenvolvimento Social da Venezuela, vem recebendo anualmente 29 milhões de dólares do governo federal. As orquestras se espalham tanto pelas cidades, quanto pelo meio rural e estão presentes nos 24 estados do país. Segundo o fundador do projeto, criado em 1975, e mentor de Gustavo Dudamel, o pianista José Antonio Abreu, “Es precisamente por el énfasis social del programa que logramos obtener apoyo governamental. El Estado ha entendido perfectamente que este programa aunque trabaja através de la música, es esencialmente um proyecto social, um proyecto para el desarrollo humano, que es la meta del Estado Venezolano”.
Gustavo Dudamel é a ponta do iceberg. Os frutos do investimento estão agora sendo colhidos. Os jovens músicos venezuelanos estão encantando o mundo. Segundo Roberto Minczuk, regente da Orquestra Sinfônica Brasileira “no futuro, nas grandes orquestras, metade dos integrantes serão orientais, e a outra metade, venezuelanos”. Imagino como um investimento nestas proporções, e digamos ainda, nesta magnitude e ordem de grandeza, tenha contribuído para a vida das pobres crianças das classes populares da Venezuela. O trabalho da Fundação constitui-se em uma verdadeira tábua de salvação para várias gerações e certamente, desviou muitos jovens e crianças da delinqüência ou marginalidade. Ainda de acordo com seu mestre-fundador, “Para los ninos con los que trabajamos, la música es prácticamente la única via hacia um destino social digno. La pobreza significa soledad, tristeza y anonimato. Uma orquestra significa alegria, motivación, trabajo en equipo, el logro de uma meta. Es una gran família que está dedicada a la armonía, a todos esas cosas hermosas que solo la música puede brindar a los seres humanos”.
Um exemplo que serve ao mundo. Fico imaginando que bem não teria feito um projeto deste em um país como o nosso. Quantas crianças, adolescentes, ao invés de estarem a empunhar revólveres e canivetes, poderiam estar tocando violino, baixo, contrabaixo, piano, e tantos outros instrumentos maravilhosos, que infelizmente, pouco temos por aqui? Mas infelizmente, nós, ó pobre de nós, não tivemos a sorte. Enquanto a Orquestra de Jovens Simon Bolívar era criada em 1975, em terras da Venezuela, aqui em nosso Brasil brasileiro, amargávamos a feridas dos duros anos de chumbo, em meio à truculência política e a estupidez sem fim. Foi em 1972, que o coronel Jarbas Passarinho, então ministro da Educação e Cultura, aboliu dos currículos das escolas do país inteiro, de forma definitiva, as aulas de música, trazendo um prejuízo incalculável a milhões de crianças há quase quarenta anos. O mesmo Jarbas Passarinho, que ao assinar o Ato Institucional n°5, em l968, pronunciou a célebre frase: “À favas com os escrúpulos da consciência”. Como diz José Saramago, em fábula recente, A viagem do Elefante, "Têm razão os cépticos quando afirmam que a história da humanidade é uma interminável sucessão de ocasiões perdidas".
A ausência absoluta de uma formação musical mínima da população brasileira tornou-nos, a todos, reféns de uma música meramente comercial, sejam os enlatados americanos, que nos chegam aos tantos, seja a produção nacional, que para vender, torna-se mais um festival de peitos e bundas, do que a revelação de verdadeiros talentos. Afinal, somos o país do pancadão, onde “um tapinha não dói”. E dá-lhe e dá-lhe. Heranças eternas, da ditadura. O silêncio do passado - o vazio do presente. Façamos o futuro a cantar. Ao observarmos bem, veremos que muito temos a aprender com os venezuelanos.
Marcos Vinícius.
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