quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Paisagem

 


Quando, após dobrar uma curva, deparei -me  com esta paisagem, não pensei duas vezes, saquei o telefone do bolso e, de imediato, tirei a fotografia. Assim que disparei o clique, de dentro do casebre, saiu um senhor, de chapéu de palha, chinelos remendados, uma indumentária esfarrapada e cara de poucos amigos. Encarou-me com o semblante duro, fechado, e com um olhar de pedra. Não respondeu aos meus insistentes cumprimentos, passou sem alterar a expressão, não olhou para trás e logo, desapareceu no caminho. Por um bom tempo, a imagem da fotografia fixou-se também em meus pensamentos e por várias vezes, coloquei-me a contemplá-la detalhadamente.  Mas afinal, o que encontrei de tão curioso e familiar nesta paisagem? Diante de tantos cenários e visões, por que  esta impressionou-me e apenas ela, inspirou-me a fotografia? Pensando no assunto, que agarrou-me aos calcanhares, descubro que, hoje, esta imagem é praticamente um retrato em metáfora de mim mesmo. Solitário no meio da paisagem, mantenho-me de pé, observando o tempo e os escombros que despencam pelo meu interior. O telhado mantém plenamente aberto o abrigo que as portas e as janelas há muito tempo trancaram. As cercas não guardam territórios e já não há proteção ou marcos de propriedade. Ao fundo, o lago vazio e o leito seco, são áreas de pastagens. A terra à frente é vermelha. O dia, porém, é luminoso e o ar é leve. As nuvens carregadas são promessas de chuva e vida, quem sabe um dia, a ponto de transbordar o lago. Por trás da fotografia, os pássaros fazem acrobacias no céu e enchem o mundo com o seu canto efusivo e arrebatador, as flores das redondezas são espetáculos de cores e exuberâncias. E é  por estas e outras, que insisto pelos bons dias e um sorriso breve, nestes lábios enrugados e quebradiços, do velho de semblante duro e olhos de pedra que sai, carrancudo, da paisagem que sou.

 

Marcos Vinicius.

Fotografia: Sumidouro, 22 de setembro de 2020.

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Entre julho e setembro



Á saída da reunião ministerial, Damares, Paulo Guedes, o Conde Drácula, Frankstein, e a liderança do grupo, o boneco Chuky, anunciaram, em rápida coletiva, que, finalmente,  'foi resolvido o problema com o quilo do arroz, e não se fala mais nisto, pois o valioso produto, será a partir de agora, vendido, não mais no peso, mas aos grãos'. Além do que, arroz com feijão é coisa de comunista. Dos elevados platôs morais da terra plana, é lançado o novo prato do dia, do Brasil sem corrupção, do desgoverno Bozo e os irmãos metralha: o novo prato verde e amarelo, macarrão com feijão. Fartem-se, enquanto podem, daqui a pouco chamam o Dória para prescrever a ração. Hi-hó, hi-hó. (10 de setembro).

 

A foto do inominável, o único sem máscaras, em meio a várias autoridades e, mesmo os puxa-sacos de sempre, todos com suas máscaras brancas, devidamente colocadas, em pleno Sete de Setembro, faz-me ver que, além do atoleiro movediço em que nos metemos, acabamos de perder o terrível e cruel desafio que a história nos colocou, frente a frente, qual seja, uma imensa roleta-russa, onde, prontamente, apertamos o gatilho, no justo momento, em que ajusta-se à mira, a pesada bala de chumbo. O mito da independência, enfim, dobra-se à mitificação do absurdo, a uma autofagia pseudopatriótica e à infalível roleta-russa do capitão. Corre o Sete de Setembro de 2020. (07 de setembro).

 

A vitória da morte, pelas vias da política, faz-se tão decisiva, que sequer percebemos, quando desinventaram o luto. O país do mito é uma nação de zumbis, não pelos que já se foram, pois estes, jazem sepultos, mas por estes que fazem da morte, objeto de culto e veneração, vagam carregando as bandeiras da tirania e da tortura, ornados com correntes de ossos, profanando cadáveres e disseminando o ódio. Estes mesmos que, orgulhosos, aprenderam a fazer arminha com a mão, símbolo da conquista de uma cidadania ensandecida, em um país em estado de putrefação, a louvar e eleger demônios e atirar nos próprios pés. O Brasil, sempre tão adormecido, acordou do sono profundo, como um gigante imbecil, que mete a testa ao espelho, pois prefere sangrar, a ver o quanto pode ser feio. (06 de setembro).

 

A covardia e a perversão caminham juntas, lado a lado. O desgoverno que temos, nas excrementíssimas  pessoas do execrável merdatário, e seus entes, doentes, mais próximos, é o retrato acabado, em altíssima resolução, da união de todas as sandices e maldades que a desnatureza humana pôde conceber. A esta altura do campeonato, quem ainda se põe a lamber deste esgoto, é tão mortífero como os piores dos vírus. São putrefatamente escrotos estes canalhas. (03 de agosto)

 

O mesmo primitivismo do pensamento, embotamento da razão, que, por ter fora de seu campo de visão, as curvaturas da Terra, proclama que ela é plana, empunha a bandeira do há que se ver para crer, como das mais confiáveis e preciosas. Diante de um agente patológico mortífero e invisível, que impõe cuidados, consigo mesmo e com os outros, teremos que fazer as contas, a verificar qual vetor apresenta maior letalidade, o vírus, por si só, ou o fundamentalismo da ignorância, a negação plena da sapiência que, a duras penas, nossos mais remotos ancestrais nos deixaram como legado, para que sobrevivéssemos como espécie. Estaremos  à altura de tamanho empreendimento e desafio? (24 de julho).


Marcos Vinícius.