domingo, 11 de junho de 2017

O busto


Antes que se transmutasse em gesso, cera e bronze, a peça, obra-sujeito, a gênese e o delineamento de sua expressão eram delicadamente retirados do barro, sua forma primeira e definitiva. Com mãos habilidosas, plásticas e firmes, como carregam os melhores e mais extraordinários dos artistas, cavam cada curva do seu rosto, os músculos da face, as covas dos olhos, as rusgas da pele, a dura frouxidão do pescoço, o desenho dos lábios, os arcos das sobrancelhas e a eternidade dos olhos, duros e vivos. Cada detalhe, riscos invisíveis, traços pouco revelados, vão se desenhando na maleabilidade do barro. Os pincéis deslizam-se sobre os acabamentos finais. O semblante é rígido, petrificado, como o são quase a totalidade das esculturas e estátuas que se plantam nas grandes avenidas, jardins e parques públicos, praças, templos, quartéis e palácios. As mandíbulas são retilíneas, quase quadradas, o nariz aponta adiante, em direção a um suposto tempo, que não se sabe onde vai dar. Os olhos, fixos e impenetráveis, a tudo parecem enxergar, retrato metalizado do que foi no passado, fitarão com suas íris acastanhadas de bronze, as gerações do porvir. Dados os retoques finais, as minúsculas ranhuras, o abaixamento do pelo proeminente, o alinhamento dos lóbulos das orelhas, o artista, levemente, dá-lhe o último sopro, que encerra a provisória existência plástica do barro. Dali, metamorfoseia-se a matéria. Do barro ao gesso, do gesso à cera, da cera ao fogo líquido, que derrete e dá forma, do calor das fornalhas, ao endurecimento da peça. Ídolos, heróis, homens de poder e força, que arrastaram multidões ou a elas exterminaram, os conquistadores, os líderes militares, espirituais, os governantes dos altos escalões, as sumidades e os excelentíssimos de toda ordem, humanos que são, tem seu jeito próprio de desafiar a morte, não apenas pelos registros de seus nomes ou feitos nos gigantescos manuais da história, mas pelas multidões de estátuas de todos os tipos, espalhadas por cada rincão deste planeta. Do caso que tratamos, o destino final era uma grande praça pública, rodeada por árvores velhas, de rugosos e grossos troncos retorcidos e bancos quebrados, esparsamente distribuídos no grande pátio de concreto, com caramanchões desfloridos, ressecados, um pequeno coreto com todos os aspectos de abandono e muitas lâmpadas amarelas que tornavam as noites, monocromáticas. Para ali foi levado aquele pesado busto de bronze, firmemente estacado, pregado e parafusado sobre um robusto pedestal de concreto. Uma placa abaixo, em letras elegantes e rebuscadas, trazia, em dourado, o nome e as homenagens. Por ali ficaria, por quantos tempos perduram e sobrevivem esses humanos endurecidos, de metal, gravados no espaço público, até que a terra os engula ou que a história, por algum motivo, os sepultem de vez. 

Desde que foi posto ali, tornou-se, inevitavelmente, um ponto de parada e visitação, por praticamente todos que tinham que transpor aquela larga plataforma de cimento, incrustada em um dos bairros mais antigos e tradicionais da cidade. Praça com pouquíssimos atrativos e quase abandonada pelos poderes públicos, os pequenos arbustos e canteiros de rosas vermelhas e amarelas, sobreviviam à própria sorte, pois a água que os regava era, já sem sombra de dúvidas, a água das chuvas. Em meio ao largo, semidesertificado, a aridez do lugar era permanentemente quebrada pelas roupas coloridas e alegres dos sem número de transeuntes que por ali  passavam. Não eram poucos os que paravam por instantes a observar aquele personagem eternizado. Aquele semblante de metal bruto, endurecido, rígido, pétreo, sempre a observar o inobservável. Os olhos que a tudo parecem ver, que miram o não-horizonte e que não se fecham nunca. A gola fria do paletó com uma pequena dobra que jamais se desdobrará, o gesto dos lábios vitrificados, os fios do cabelo que não se desalinharão, distraíam os cidadãos que sempre o admiravam, não apenas pelo que foi, a maioria talvez não o soubesse, mas pela perfeição do seu acabamento, a fineza e robustez das linhas, a imponência, a eternidade do que já não existe, o poder do bronze, da estatuária, que nos posta à frente, quem aqui já não mais está. Não era raro, principalmente entre os mais jovens e curiosos, que alguns deles, pousassem sobre a face metálica, seus dedos sensíveis, que percorriam as dimensões da escultura, o contorno dos olhos, as papas, as ligeiras e finas rugas que entrecortavam a fronte, o penteado da cabeleira, o relevo do nariz, a espessura da boca e a envergadura do colarinho. De fato, a obra primava pela perfeição. Não são poucas as estátuas  espalhadas pelos centros urbanos, não há quem não as veja sempre, marcando as glórias e fama de um tempo, muitas das vezes, já esquecido, mas muitas delas são demasiadamente grotescas, mal acabadas, feitas às pressas, dada às emergências conjunturais, comemorações, centenários, vitórias políticas e golpes de Estado. Ao contrário da que temos, muitas são carentes de esmero e arte. Não eram poucos os que se impressionavam com o seu realismo e a perfeição do retrato, mesmo que não tenham visto aquela expressão e fisionomia sequer uma vez na vida. Talvez o tamanho natural, a sensibilidade dos moldes, a natureza da matéria-prima e o engenho do artista, sabe-se lá, os sonhos de perpetuação, desejos de imortalidade do retratado, tenham tornado aquele monumento, uma peça única.

Em menos de uma semana, fincado naquele território, já havia recebido um grande número de visitas. As crianças, principalmente, aquelas já acostumadas ao local, eram as primeiras a correr para conhecer a novidade. Os adultos dificilmente passavam sem lançar um olhar contemplativo e inquieto de indagações. No fundo, aquele vulto, que por ali se instalara, causava certo assombro tanto a uns, quanto aos outros. Impunha, à sua maneira, uma autoridade nova naquela praça destituída de grandes atrativos, limitados aos poucos assentos e a farta sombra das árvores. A paisagem mal se ajeitara, o busto ainda era um meio-estranho dominando o cenário, os pássaros pouco o haviam percebido, uma senhora de idade avançada, com a pele desfiada em rugas e as mãos tortas pelos reumatismos e calos, caminha em passos lentos, cambaleantes em seu aspecto físico, mas firmes na determinação em chegar ao seu destino. A mulher posta-se, também ela, uma pedra, o metal, diante da estátua fria. Encara o homem nos olhos, e ali, é como se apenas os dois houvesse. Naquele instante, os olhos de bronze, parecem encarar a mulher, como quem encara o infinito. Ela o desafia, leva lentamente seus dedos até ele e toca com desprezo as maçãs do rosto inerte. Os olhos dela, orgânicos e vivos, os dele, rígidos e secos, fixavam-se, intensamente. Haveria um diálogo possível? Ela range os dentes, e num murmúrio quase inaudível, pragueja, Maldito! Afasta um pouco a mão, injeta-lhe forças, e enfia um tapa naquele rosto compacto, que sequer apresenta qualquer milímetro de vibração. A expressão e o gesto daquele homem estático mantêm-se inalterados, inabalados e irremovíveis. De súbito, sem que ninguém o percebesse, ou que fosse, no mínimo, fenômeno visível ou explicável, e sem abalo de qualquer dos elementos do cenário, uma força inesperada, um desejo incontrolável apodera-se de um não se sabe o que daquele busto, que se tivesse braços ou movimento, teria a velha estrangulado.

Caralhos, mas que esbofeteio é este? Não que doa, deixe ferimentos ou arranhões, mas é uma desonra que jamais admitiria, pudesse livrar-me deste corpo imóvel, esculpido, cimentado, parafusado e os castigos e dores que se imporiam a estas mãos agressoras seriam os mais cruéis que meus carrascos pudessem imaginar. Velha estúpida! E o pior, definitivamente, não há o que se possa fazer. Qual terá sido o imbecil a me enfiar em uma estrutura destas, por que não dão aos mortos o descanso que supomos merecer? Óbvio que ambicionamos a imortalidade, mas não desgraçadamente nesta condição. Depois de tantas conquistas, disputas, artimanhas, planos bem sucedidos, guerras vencidas, tantos inimigos abatidos, não é a estátua que sou, a mais terrível humilhação que os vivos, maliciosamente, puderam oferecer? Pudesse ao menos, movimentar-me com pernas e braços de ferro, aço ou concreto, para esmagar os estúpidos e traidores que me subtraíram o silêncio e o esquecimento que o tempo lança sobre os corpos sepultos. Mas não, entrevaram-me. Óbvio que viveria um milhão de anos, mas com um corpo minimamente saudável, com carnes, peles, ossos e um sangue viscoso correndo entre as veias. Não esta imortalidade absoluta, inquebrantável. Duvido mesmo que os bajuladores quiseram desta forma, prestar-me homenagens, prolongar-me em suas memórias, a mim, mais parece, quiseram mesmo, foder-me, de uma vez por todas, aproveitando-se da fatalidade de estar a mais de sete palmos nas profundidades da terra, para erigir-me sobre esta praça, fatalmente indignado e, irremediavelmente, imóvel e endurecido. 

A velha ainda fitou-o por alguns segundos, ensaiou um segundo ataque, mas as forças dos braços não lhe estavam muito favoráveis, então, resignou-se a um fulminante murmúrio, virou-se de costas, lançou uma cusparada ao chão e afastou-se dali, até desaparecer de vez dos raios da visão, entre os caules das árvores, o brilho dos automóveis e o labirinto das avenidas. Ainda assim, o incômodo não o abandonou. E os anos se passaram.


Não há quem não queira prolongar suas vidas, por isso, não é de hoje, já desde o mais remoto dos tempos, todas as simpatias, emplastos, curandeiros, médicos, indústrias, voltaram-se para as mais variadas alternativas, no intuito de prolongar, o que já está por extinguir-se. Fracassadas todas as tentativas, formularam-se as mais sofisticadas técnicas de embalsamento e mumificação, sepulturas-fortalezas, palácios aos avessos do chão, uma parafernália infinita, que visava, em última instância, não apenas preservar, conservando por mais tempos nossos restos humanos, com a matéria que lhe é própria, mas acima de tudo, proporcionando-nos, segurança, sossego, o silêncio, o descanso e a escuridão. O que carrego não é sobrevida, mas um martírio. Prolongar-se em pedra, ligas metálicas, é pior que estar a si próprio, preso, pois é a prisão inteira, o cárcere onipresente, que se apodera de você. Esses bandos de seres, estudantes, trabalhadores, burocratas, funcionários, curiosos, que ficam a fitar-me, seja postando-se parados à minha frente, ou retardando seus passos, para radiografar-me inteiro, fazem-me sentir mais agoniado ainda. É um desalento inimaginável não poder acompanhar com os olhos, torcê-los um pouco, para acompanhar a silhueta daquela fêmea seminua, semidivina, que me passa à frente, apalpar os seios fartos e quentes que se ajeitam sob o meu nariz, ou me esfregam por todos os lados, para fotografar-nos, juntos, sob os mais variados ângulos. Enlouquecedor não poder soltar o mais alto e terrível dos berros, para expulsar esses moleques imbecis, que se põem a pendurar em meu célebre pescoço, ou não ter como esbofetear os pobres solitários que me vem revelar suas confidências, segredos ou intimidades, o que a mim, não desperta o mais ínfimo dos interesses, mas me enche de nojo e mal-estar. Pudera tombar sobre suas cabeças. Os anos passam, a bem da verdade, perdi suas contas, como se isso me fizesse alguma diferença, talvez já tenham se passado mesmo décadas ou séculos, que aqui estou a mirar esta humanidade. Isto, se não houver parado o tempo, o que sempre me levo a desconfiar. Passam os indivíduos, a impressão de serem sempre os mesmos, e não o são, já viraram gerações, introduziram novos gestos, manias, modismos, penteados extravagantes, indumentárias exóticas, mas por mais diferentes que sejam, estou sempre a confundi-los, como se, fossem um só corpo, um só movimento. Mas quem sou eu para falar em movimento, eu que vivo minuto por minuto de imobilidade a atravessar os séculos. Pergunto-me, quantas piscadelas me serão expropriadas se por aqui ainda estiver em um milhão de anos? Ah... Como é sofrível não pregar os olhos, não que sinta sono ou vontade de adormecer, isso não é sensação que tenham as estátuas, mas deixar de enxergar o mundo e esses homens e mulheres que não param de passar, por um segundo que fosse, talvez isso apenas, me trouxesse algum conforto. Mas não. Estou condenado a vê-los e tolerá-los, impedido de esboçar a mais insignificante reação. Há dias que são mais insuportáveis, dolorosos eu diria, não fosse o fato de não sentir qualquer tipo de dor, aqueles que me despertam o desejo de explodir, arrebentar-me, ou não sei o quê, algo que me tirasse de mim, livrando-me desta casca-masmorra, que não me permite sequer franzir a testa. Foi um final de semana, quando bem próximos, um grupo de jovens, garotos e garotas, puseram-se a dançar sob o som de uma música maravilhosa e inebriante. Não que aquilo me tornasse mais leve, como ocorria com todos aqueles corpos juvenis que se entregavam aos ritmos, mas um desejo insuportável e arrebatador de mexer-me, gingar-me minimamente, levava-me ao sonho ou delírio de ser dinamitado. Não havia um que por ali passasse, naquele momento, que não tivesse um cantarolar nos lábios, um estalo nos dedos, um descompasso nos pés, aquela música, mais que qualquer outra, fazia os homens vibrarem. Não há vibração possível. Talvez haja na explosão.

Numa madrugada, um jovem bem agasalhado, certamente fazia frio, para diante de mim e, rapidamente, saca por sob o paletó, uma pequena lata de tinta e pixa-me a testa, rabiscou signos e letras, os quais nunca pude descobrir do que se tratava. Ainda não decidi o que se tornou mais ridículo, o pixo em si, aquela situação ofensiva, uma mancha a deformar-me o perfil, o retrato, ou a ação indigna daqueles agentes públicos, que me esfregavam o rosto com uma escova já esfolada e gasta, e soluções auto-limpantes baratas, que não atentavam aos cuidados técnicos no trato com o bronze. Dada a rapidez com que se processou a operação, muito provavelmente, as inscrições do pichador, tinham conotações políticas. O trabalho realizado visava antes, a eliminação da mensagem, que a preservação do monumento, visto que muitos dos visitantes notavam que algo diferente, alguma espécie de defeito ou deterioração, havia corroído, o que provavelmente fui. Os bêbados me atormentavam com suas conversas desconexas, sem pés nem cabeça, a fala alta, o barulho aterrador, os namorados, com seus beijos, carícias e desejos, afrontavam a frieza do bronze que forma o meu peito. Se é certo que do pó viemos e a ele um dia iremos retornar, não faço ideia das quantas avarezas ainda irei testemunhar, para dissolver-me desta matéria bruta. Já não sei há quanto tempo, sobrevivo morto, e a cada dia o sei menos. Cem anos terão se passado? Não creio que aqui já esteja há um milênio, senão já teria me derramado em enfados. Há química que transforme o bronze em pó? Quem poderá responder-me?

Não sei o que se passa ao redor, mas as humanidades, já não são as mesmas, observo que, mais que nunca, estão a me homenagear, com longos palavrórios, fotografias, mas também me fazem alvo de  xingamentos e ofensas.  Venho despertando amores e ódios. Por estes dias, um tresloucado tentou, sem sucesso, arrancar a placa que traz completo o meu nome, minhas insígnias e condecorações. Não estivesse fatalmente engessado, em poucos minutos, o concreto o teria engolido. A placa não se soltou, mas tenho a impressão inconfundível, que se desalinhou, um pequeno empeno, que com certeza, jamais será restaurado, sequer percebido. Uma bela jovem, uma hora, se aproximou, passo a passo, ficou bem diante de mim, olhei para dentro dela, ah, e como gostaria de poder me arrepiar, mas acho que nunca fiquei tão imóvel, mais que já era, tão inerte e paralítico como naquele instante. A mulher aproximou seu rosto e de súbito, escarrou-me um jato grosso e esverdeado. A gosma escorria pelas minhas faces, adentrava ao pescoço e uma sobra de sua viscosidade pingava no chão. Não sei descrever o turbilhão de emoções e sentimentos que bem poderiam ter me proporcionado algum sacolejo, mas não. Minha imobilidade jamais havia sido tão duramente posta à prova. Não que estivesse livre de assédios, manifestos de admiração ou repulsa, mas, ultimamente, estes gestos não apenas se tornaram mais comuns, como também mais intensos. As esculturas serão resistentes aos humores, como o são ao tempo? Afora todos os incômodos que as humanidades aqui despejam, nesta existência longínqua, sobrevida-morta, longeva, ainda sobram-me os pombos. Soubesse que estes malditos iriam cagar-me por uma eternidade, teria os varrido da face da terra, quando pude fazê-lo. Não deixariam descendências. Por que os serviços de limpeza, quase nunca, retiram os dejetos dos pombos? Um rastro esbranquiçado de fezes desta ave asquerosa está a se fossilizar, por baixo dos lóbulos das minhas orelhas. Que honra construída em vida proporcionou-me este depósito de excrementos? Que batalhas aguerridas, territórios conquistados, transformaram meus cabelos alinhados em crostas de estrumes? Impossível saber se os mais nefastos são os inimigos declarados ou os bajuladores despudorados, extravagantes. Os últimos são sempre mais propensos a perpetuarem, petrificarem a injúria, a vergonha e a humilhação, principalmente, as alheias. Quisera tê-los feito engolir os pombos.

Mas Ó Deus das fundições e do fogo líquido, com o qual se fez meu corpo! Que tremores são esses? O chão de concreto parece balançar sob o suporte do busto que sou. Que hordas são estas? Quem é este povo e que bandeiras carregam? Invasores estrangeiros ou rebeldes nacionais? De onde saíram tantos, estes todos nas ruas? Uma multidão a galope. Punhos cerrados e gritos de guerra. Avançam sobre a praça, que fervilha de gentes. Venha a mim, Ó Revolução, exploda-me de vez, traga a dinamite e me arranque daqui, nem que seja a marteladas. Isto mesmo. Sabia que a força de mil braços conseguiria enfim, tombar-me. Que viva a morte. Livram-se de mim, talvez seja, minha última vitória, pois assim, o liberto, sou eu. Vejo, agora, o quanto sou pesado, são inúmeros os braços, escolhidos entre os mais fortes, a carregar-me pelos ares. Não imaginava quão rápido fossem desparafusar-me. Agora atiram-me ao chão e sou posto a arrastar-me no asfalto, por incontáveis mãos que, estapeiam-se pelo revezamento. Os homens estão frenéticos. A poucos metros, o cortejo fora breve, sou atirado, em uma vala larga, garganta profunda, ali, onde cabe-me inteiro. A fúria daqueles homens, os quais desconheço, um a um, tanto como os seus motivos, em tempo recorde, soterram-me. Ali não faltam areias, entulhos, escombros, para sepultar-me de vez. Ufa, é o meu fim. Não me interessam as causas e forças que movem estes braços determinados e ferozes, o que me importa é, agora, despedir-me do mundo. Uma última pá de lama é atirada sobre os tapumes, vedando em definitivo, o último feixe de luz que ainda vinha de fora. Mas, poxa, é muito escuro aqui no fundo e a terra é úmida e compacta.


Marcos Vinícius.

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