Fala sério, presidenta!
Desde que passei a conhecer um
pouco sobre a história do Brasil, sempre acreditei ser completamente impossível
garantir qualquer tipo de crescimento econômico com justiça social, sem que
antes se efetive uma reforma agrária, que sepulte de vez, a perversa estrutura
fundiária do nosso país. A altíssima concentração de terras, institucionalizada
por séculos, talvez seja, um dos principais fatores responsáveis pelo nosso
subdesenvolvimento crônico, pela pobreza profunda e a escassez absoluta, marcas
registradas de nossa história de longa duração. O latifúndio é a fatalidade que
fez do país, do Descobrimento para cá, terras da fome. Gerações e gerações de
miseráveis e famintos, sujeitos ocultos de uma história muitas vezes
silenciada, são o resultado de uma política agrária que expulsou uma humanidade
do campo e transformou as cidades brasileiras em réplicas de um inferno
completo. Guerra urbana, violência generalizada, modernas modalidades de
escravidão, poluição, falta de moradia, transporte, condições de higiene e
saúde, enfim, todos os males que transformaram nossas cidades, onde se concentram
mais de setenta por cento da população brasileira, em formigueiros humanos,
territórios apinhados de gente, onde nos acotovelamos uns aos outros, tem suas raízes históricas
mais profundas, no latifúndio, que a todos engole. Nas grandes propriedades de
terra de nosso país, já conhecido por suas dimensões continentais, não cabem
mais as gentes, são territórios do agronegócio, do desmatamento, do gado gordo
e povo esquálido, pastagens que são países, territórios da mineração, que fazem
desaparecer nossas serras, sítios arqueológicos, mananciais, infinitas
modalidades de vida. Somos uma sociedade em movimento e a luta pela terra no
Brasil, sempre fez um número apocalíptico de vítimas. São incontáveis os
trabalhadores rurais, homens do campo, sem-teto, sem-terra, expropriados de
toda ordem, que tombaram vítimas da truculência sempre muito bem armada dos
grandes proprietários. Foram inúmeros os movimentos que se constituíram ao
longo dos séculos na busca por justiça social, pelo direito a terra, ao
trabalho, ao alimento e a um mínimo de dignidade. Inúmeros os mortos.
Não é novidade para ninguém que a
ausência total de escrúpulos já faz parte, também há muito tempo, de nossa
corrompida cultura política. Não é novidade alguma, que o atual governo,
petista, de nossa tão vilipendiada República, é refém não é de hoje, além de si
próprio e suas contradições, da sanha de fisiologismos, esquemas e negócios do
PMDB. O partido, pode se dizer, é aliado antigo. É sabido que PT e PMDB, apesar
dos conflitos e guerras intestinas, já se imbricaram em uma relação
praticamente simbiótica. Agora, nomear a senadora Kátia Abreu para Ministra da Agricultura é escárnio, não apenas pelo que ela representa, mas pelo símbolo em
que se transformou. Kátia Abreu é a representante maior da bancada ruralista no
Congresso Nacional, do agronegócio, das sementes transgênicas; articuladora,
porta-voz, testa de ferro, do que há de mais atrasado e perverso em nossa
agenda política. Ao optar pela senadora para o controle da pasta responsável
pela questão agrária, a presidenta Dilma transmite um inequívoco e lamentável
sinal. Não bastasse a eleição de um dos Congressos mais reacionários das
últimas décadas, a presidenta dá uma imperdoável guinada à direita, oferecendo
aos movimentos populares e aos lutadores sociais, e principalmente, a muitos de
seus eleitores, a ressaca de uma derrota, quiçá mais apropriada para seus adversários, recentemente abatidos nas urnas.
Marcos Vinícius.
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