Onde vamos?
Há sempre quem pergunte qual é a
moral da História. Muitas das vezes, quando lemos ou ouvimos uma história
qualquer, ficamos nos perguntando, o que há por trás dos fenômenos narrados,
que lição o autor pretende passar, o que podemos extrair das entrelinhas, das
intenções não explicitamente reveladas, que segredo, mistério ou mágica estarão
nos aguardando linhas e palavras à frente? Como se cada história que se conta
ou se ouve fosse sempre carregada de segundas intenções, caixas-pretas, onde se
diz uma coisa, para no fundo, afirmar o seu contrário, onde se revela para
esconder e se esconde para revelar. Sim, é lá na frente, no final, que tanto o
autor e o observador têm que juntar todas as peças espalhadas ao longo do
enredo, e chegar a um desfecho minimamente lógico ou compreensível. É lá nas
linhas finais que a complexidade da história deverá se amarrar, quando o
suspense estará concluído, as dúvidas dirimidas, as verdades expostas, e toda a
conjuntura, real ou fictícia, atingirá sua dimensão conclusiva. Ali estará sua
moral, carregada de simbologias e significados.
Poucas imagens são tão divulgadas
e conhecidas como retrato da história da evolução humana, quanto aquela que
traz uma sucessão de desenhos de nossos antepassados, desde os mais antigos,
até nossa moderníssima espécie sapiens
sapiens, em fila indiana, numa escala temporal de alguns milhões de anos.
Os primeiros são antropoides primitivos, comedores de raízes, que se arrastam
pelo chão; em seguida, nossos ancestrais, peludos e selvagens, vão aos poucos,
deixando de curvarem-se ante as violentas forças da natureza e já encaram os
inimigos de pé, com o peito aberto, e as mãos livres para a manipulação de
ferramentas e armamentos rudimentares. Tem o cérebro menor, e nada mais natural
que se pareçam infinitamente menos inteligentes que o homem moderno. A longa trajetória, retrato e
símbolo de nossa história de longa duração, desde as mais primitivas das
espécies, passando pela selvageria e barbárie, e superada a idade das trevas,
parece desembocar em um resultado de redenção e glórias, onde o desenvolvimento
científico e tecnológico, nos põe a frente, um futuro cada dia mais rico e
promissor. Nada mais falacioso e enganador.
Apesar de conhecermos bem, após
milhares de anos de história, todo o repertório de perversidades e absurdos que
criamos e aperfeiçoamos ao longo de inúmeras gerações, a fome crônica, as mais
devastadoras bombas e mísseis, as indústrias farmacêutica e alimentícia, que se
colocam mais a serviço da morte que da vida, a constituição de territórios sem
limites de miséria e escassez, a transformação dos rios em esgotos e das
florestas em desertos, a criação da sub-raça humana, a genética da desnutrição,
nenhum outro episódio ou imagem que nos põe à mostra, são mais reveladores do
quão degenerado e corrompido é o destino de nossa espécie, quanto às que nos abarrotam a vista e estão em todo canto, do genocídio cometido por Israel contra os
palestinos da faixa de Gaza. Fatalidade e absurdo. O fim de qualquer esperança
que exista algum tipo de ética na civilização e no mundo que construímos. Os
amontoados de crianças mortas, ensanguentadas, estripadas, os bombardeios contínuos
sobre o que mais parece um campo de concentração, são as mais recentes imagens
e tragédias que nossa humanidade conseguiu produzir. Difícil esconder o sangue
que perturba nosso sonho e aflige nossas ilusões. Talvez a linha reta de nossa
evolução nos leve ao abismo, o abismo que irresponsavelmente, deixaremos às
gerações futuras. Afinal, a história, também ela, pode ser imoral.
Marcos Vinícius.
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