sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Brincam os garotos.


Brincam os garotos


Estavam reunidos os três, já entediados com suas brincadeiras rotineiras, quando resolveram encontrar uma forma de conhecerem melhor aquele vizinho da rua ao lado, que há pouco menos de um ano havia se mudado para a região. Afinal, parecia um sujeito simpático, e certamente, talvez trouxesse algum novo brinquedo ou algo, no mínimo, diferente, daquela terra distante, de onde sequer, haviam ouvido falar. O maiorzinho, ainda insistia na forra daquelas bolinhas de gude, que havia perdido no dia anterior, para o mais novo deles, que por sua vez, preferia já o jogo de cartas, que muito o fascinava, com seus reis, valetes e rainhas. O do meio insistia em que deveriam no dia seguinte, convidar o novo vizinho para um jogo qualquer. O sotaque que o recém-chegado trazia, despertava mesmo a curiosidade nas redondezas, onde a maioria das pessoas, principalmente os mais jovens, ainda não tinha visto aquilo. Sabemos o quanto a convivência com quem vemos como diferente, estranho, curioso, pode nos fascinar ou proporcionar graves incômodos, pelas mais diversas razões. Os garotos então, resolveram, que iriam, no outro dia, ainda pela manhã, à casa daqueles forasteiros, não só para conhecê-los, e mais ainda, para tentar conhecê-los melhor que qualquer outro na vizinhança. Feito.

Logo cedo, se encontraram e se dirigiram à casa do menino. Pelo caminho, discutiam os três, qual seria a melhor estratégia, para melhor conhecer o convidado. O que ia à frente, o mais alto, sugeriu, que de início, perguntassem de onde havia vindo, falariam um pouco de suas vidas e preferências, e depois pediriam a ele, enfim, que falasse da sua própria. O que ia ao meio, sugeriu que deveriam tentar, no mesmo dia, entrar em sua casa, conhecer seu quarto e seus brinquedos. De quebra, poderiam conhecer parte da família, aquela irmã bonita, que muito desperta a atenção dos rapazes, e aquele cachorro esquisito, cuja raça, nunca haviam visto por estas bandas. O caçula desaconselhou as propostas dos colegas, dizendo que com idéias como estas, iriam assustar o garoto, e aí perderiam, não apenas a viagem, mas também a oportunidade. O que faremos, então? Indagaram os outros. A idéia do menino era convidá-lo para uma brincadeira, onde estivesse em suas mãos o destino dos outros, por que aí, imaginava, discutiria com eles, nas entrelinhas ou explicitamente, o que do outro mundo, que fatalmente desconheciam, ele trazia consigo. Mesmo não entendendo muito bem, o que pretendia com tal sugestão, e olhando meio desconfiados o pirralho, resolveram apostar na idéia e ver no que ia dar. Afinal, a perspectiva de possuir algum poder, mesmo que de brincadeira, para muitos, pode ser mesmo algo irresistível, irrecusável.

O garoto topou a brincadeira, que consistia no seguinte: durante aquele dia, enquanto juntos estivessem, ele seria responsável pela sobrevivência do grupo, não que tivesse que mantê-los, diríamos, as suas custas, mas deveria ser a liderança capaz de criar alternativas, para que todos, sob seu controle pudessem não só ter um dia melhor, mas se divertirem com as novidades que o novo colega, certamente conhecia. Era a idéia original. Como se naquele dia, tivesse sido eleito para a função de rei, o líder entre eles. Queriam conhecer os garotos os hábitos da terra mágica da qual acreditavam ter vindo o vizinho. O garoto, ao entender então, o convite, entusiasmou-se, pediu um minuto, e imediatamente voltou, com uma blusa um pouco mais nova, que já algum tempo, estava pendurada no cabide. Pegou um velho distintivo que guardava na gaveta e aprumou-o ao peito. Passou rapidamente pelo espelho e sentiu-se maior, seus olhos estavam cheios. Inexplicavelmente, sentiu-se corar. Mas por que diabos estavam os garotos a lhe fazer tal convite? Mas não se fez de rogado, e afinal, também estava disposto a se divertir, além do mais, aqueles três não eram lá o que se possa chamar de ameaçadores, e já os havia visto sempre por aí, pareciam mesmo serem boa gente, e tinham os moleques, jeito de bem intencionados. O rapazinho não quis perder tempo. Desceu correndo as escadas e reencontrou os vizinhos.

Ao certificar-se que de fato, os garotos não iriam lhe causar qualquer tipo de mal, teve repentinamente uma idéia. Lembrou-se da nota de cinqüenta que há uns dias guardava em um pequeno livro de cabeceira. Pediu aos novos colegas mais um minuto, rapidamente correu até a casa, e sem que o vissem, meteu o dinheiro no bolso. Voltava feliz e animado. Ao longo de um dia inteiro, ele se divertiu. Quem estivesse observando de longe, talvez imaginasse que fosse o exemplo do bom amigo e do espírito de solidariedade. Gastou quase a totalidade do dinheiro que levava no bolso com os três. Pagou sorvetes, pipocas e refrigerantes. Um brinquedo no parque para cada um deles. Mas a façanha, porém, não saiu de graça para os outros. Ele os fez pagar, ainda que não lhes cobrasse qualquer dinheiro. No entusiasmo que a circunstância lhe apanhou, praticamente reinou de fato, sentiu-se grande. Os garotos acabaram, a contragosto, se subjugando, pois não era todos os dias que alguém lhes custeava tamanhos prazeres, e além do mais, havia sido deles, a idéia. O rapazinho, em contrapartida, lhes cobrava todos os tipos de mimos e bajulações. Deveriam os garotos carregá-lo aos ombros, limpar os seus restos, tirar-lhe a poeira dos sapatos. Era a regra. O pacto. Afinal, cabia a ele, dar as ordens, que vinham muitas das vezes acompanhadas de gritos e safanões, pois acreditava que tais arrogâncias eram parte do papel que lhe fora atribuído. Por fim, divertiu-se o garoto, os novos colegas resignaram-se, e na carência de dias melhores, resolveram subestimar a humilhação. O dia terminou. O forasteiro jamais iria esquecê-lo. Os meninos nunca mais lhe bateram à porta. Por muito tempo se perguntaram se teria sido o mesmo garoto, se o convite fosse outro.



Fim.


Marcos Vinícius.

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