quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Sobre a mentira


Sobre a mentira



No dia 18 de setembro de 2008, José Saramago, publicou em seu blog um artigo, onde afirmava que “George Bush expulsou a verdade do mundo para, em seu lugar, fazer frutificar a idade da mentira. (...) honra lhe seja feita ao menos uma vez na vida, há no robô George Bush, presidente dos Estados Unidos, um programa que funciona à perfeição: o da mentira. (...) A sociedade humana actual está contaminada de mentira como da pior das contaminações morais, e ele é um dos principais responsáveis. A mentira circula impunemente por toda a parte, tornou-se já numa espécie de outra verdade. (...) a mentira como arma, a mentira como guarda avançada dos tanques e dos canhões, a mentira sobre as ruínas, sobre os mortos, sobre as míseras e sempre frustradas esperanças da humanidade”.


Após ler estas palavras, voltei a relê-las outras tantas vezes, fiz cópias, distribui entre pessoas mais próximas e colei-as em alguns poucos lugares públicos. Desde então, as palavras não mais me saíram da cabeça. Nunca imaginei poder encontrar definições tão exatas, não apenas sobre a roupagem da qual se traveste a mentira em nossos tempos, mas também como se configuram estes mesmos tempos a partir das mentiras que carregam e são. O autor abre uma perspectiva, fundamental, para que possamos compreender um pouco mais profundamente não apenas o mundo em que vivemos, coabitamos, mas também, a humanidade que somos. O fenômeno da mentira, não das pequenas mentiras, mas das mentiras grandes, aquelas que arrastam povos inteiros, ceifam vidas, criam ódios e guerras, vai se tornando um elemento cada vez mais comum, repetitivo, sistemático das bases de nossa civilização global. As grandes mentiras, se observarmos bem, cercam-nos a todos, em uma tendência mundial.


A mentira, enquanto fenômeno, encontra-se tão disseminada, que por mais que sejamos atentos, estamos sempre a ser enganados. Os veículos das grandes mentiras são muito poderosos e viajam pelo mundo com blindagens indestrutíveis, a serviço de negócios inconfessáveis, geralmente em defesa de interesses de governos ou das grandes corporações privadas, dos setores financeiros, dos oligopólios. A mentira tornou-se estrutural. Jamais poderia imaginar que as brincadeiras de infância, associadas ao inocente primeiro de abril pudessem esconder uma perversidade absoluta, em que poderia a mentira se transformar. Vivemos sob a ditadura da mentira. Quem pode acreditar nos discursos dos governos? Os governantes de plantão, geralmente a serviço do grande capital, transformados em gerentes e marqueteiros, querem nos fazer acreditar que mergulhamos nos melhores dos mundos, quando nos afogamos, populações inteiras, em desempregos e misérias. Querem nos fazer acreditar que não há outras alternativas, que não as deles, ou dos interesses escusos, onde muitos, são testas de ferro. As grandes organizações e organismos multilaterais fundamentam-se sobre princípios de falácias e engodos.


De certa forma, a mentira acaba por criar uma nova estrutura de poder e uma nova cultura também. Tornou-se recurso universal, imprescindível de quem detém algum poder de fato, sejam os poderes maiores, em escala global, sejam nos níveis intermediários, ou nos níveis mais individualizados e próximos, onde um indivíduo está para exercer o poder sobre o outro. É como se a mentira funcionasse como um amplificador de poderes, pois quando estão a mentir, e tem o domínio, a mentira passa a ser a verdade, sobre a qual tem o controle. Os grandes veículos de comunicação mentem o tempo todo, enganam as crianças, enganam a nós, com suas meias verdades, omissões previsíveis, táticas, distorções, deturpações, ilusões fáceis. Querem transformar a todos em dóceis consumidores, nada além de força de trabalho e consumidores de entulhos e supérfluos, não-pensantes. Querem transformar-nos em massa de manobra, currais eleitorais, e compradores da fé. Descobriu-se o quanto pode se lucrar com a mentira e ela fez-se grande, disseminou-se. Há saída? É o que devemos buscar. Talvez um bom começo seja recusando-nos a sermos cúmplices, descosturando a cada dia o manto que caiu sobre nós. É necessário estarmos de olhos abertos, tatearmos nas trevas, para perceber que as maiores mentiras são as que nos apresentam como as únicas verdades ou para descobrir a verdade que há por trás de uma grande mentira. Não dá para cochilar. Obrigado Saramago, por manter a vigília.


Marcos Vinícius.

Um comentário:

Unknown disse...

Infelizmente grande amigo e sobrevivente, saber da verdade é carregar um enorme fardo. E todo dia tomamos o mesmo copo de bosta, dia após dia, pq todos foram educados para não acreditar em quem realmente quer ajudar e tem inteligência.

Abraços!