quinta-feira, 14 de maio de 2009

O fim ao princípio.


O fim ao princípio.


Ele estava deitado sobre um vasto colchão de nuvens, e apesar do tamanho gigantesco, enorme, e com todo o peso que seria de se supor, ainda assim, parecia ser mais leve que elas, e elas, por sua vez, pareciam acomodá-lo, proporcionando o conforto, como talvez melhor não lhe pudessem oferecer. Naquele momento, onde o tempo fora o que hoje não podemos conceber, havia um grande silêncio, uma longa escuridão, nada, no entanto, que o impedisse, de a tudo enxergar. E seus olhos, um pouco ainda inchados, de um tempo sem noites ou dias, tardes ou manhãs, vagavam pelo infinito e por sobre a face sem rosto das águas. Parecia abatido, como estas fortalezas de pedras, palácios de bronzes, que a eternidade insiste em corroer. Além dos músculos fortes, dos braços compridos e das longas mãos, que parecia a tudo poder criar ou destruir, havia um indisfarçável sinal de esmorecimento. O grande corpo parecia não estar disposto a se levantar. Os olhos pareciam contemplar, liricamente, o nada, e um rubor nas faces duras, revelavam um profundo estado febril. Os olhos procuravam ainda, um porto, um ponto, onde pudessem repousar, ante as águas profundas e infindas, que estava a contemplar. Com certo esforço, sem resignação, repousou os braços sobre o peito, e suspirou longamente. Parecia tomado de um cansaço, como ainda não havia experimentado. Revelava a imagem de um guerreiro robusto, alimentado pelas inúmeras vitórias, mas com o semblante de quem não mais tem o que conquistar, como se vãs tivessem sido as lutas, como se inúteis houvessem sido todas as duras batalhas. Os olhos esforçam-se para manterem-se abertos, e uma tosse seca, um ligeiro tremor, parecem ameaçar como nunca, sua imortalidade. A febre parece aumentar. Os olhos embaçam. Um suor frio, escorre pelas nucas divinas. Os espírito do mundo, parece querer se soltar.


Mira as águas, mira as trevas. Uma luz no olhar parece revigorar-lhe. Levanta um braço, que estava a pender sobre o abismo, e num movimento único, como um gesto que se faz derradeiro, estala os dedos. Um grande clarão rompe os céus, como se estivesse a parti-lo. A luz excessiva reflete em seus olhos, que parecem faiscar. Num estado de quase entorpecimento, mas com o olhar encantado, admira-se com o que estava a criar. Diante de si, o que nunca havia visto ou imaginado. Inquietava-se, e o suor lhe encharcava os cabelos. Mas parecia feliz. Num ímpeto, criou quase tudo que há. Divertia-se com o que estava a fazer, sorrindo, aliviando as dores e o mal que lhe atormentavam. Fez pois, o que viria a se chamar de luz, os dias, as noites, o céu, o sol, a lua, as estrelas, fez a terra e os mares, e divertia-se mais ainda, às roucas gargalhadas, que vibravam pelos fios do tempo, com a diversidade de tipos e formas, que trazia à vida. A terra, cobria-a de cores, muito verde, todas as cores que possam existir, fez árvores, de todas espécies, frutos de todos os sabores, os que fossem possíveis, e os impossíveis também, plantas, flores, de todas as formas que a matemática da vida permitia, ainda abrindo exceções.Apenas não lhes deu os nomes. Estes viriam depois. Cobriu-se a terra de vida. Todos os seres, os do ar, do mar, da terra, os insetos, as aves, os peixes, os anfíbios, os répteis, os mamíferos. Desde as espécies que viveriam por milhares de anos, aos microorganismos, cujo ciclo de vida, gira em torno de apenas trinta minutos. Assim se fez.


Observava atentamente a obra, já quase concluída, e sentia-se levemente reconfortado. Trazia um sorriso agarrado ao canto da boca, e achava-se surpreso, com o que acabara de realizar. Surpreendeu-se com a obra em si, e consigo mesmo, por descobrir o quanto era genioso e inventivo. Sentia-se vaidoso. Repentinamente, uma dor súbita, percorre todo o seu corpo, da cabeça aos pés. Sente calafrios, e a febre parece aumentar. A tosse está para lhe estourar os pulmões. Afunda-se um pouco mais nas nuvens, que suavemente o embalam. Emite um fraco suspiro. Tem a forte impressão que o tempo que acabara de criar, vem lhe escapar pelas mãos. Vê um trovão cortar o céu, e lamenta por não poder agarrá-lo, está sem forças para tanto. Observa mais uma vez, sua mais recente criação. Enfia a mão pelo barro, e com a visão já um pouco às cegas, como se a obra não estivesse completa, e como se muito, não mais pudesse fazer, manipula o torrão, como se uma forma nova, quisesse lhe dar. Uma dor aguda e profunda atravessa-lhe o peito. Um mal estar incontrolável. Os membros não lhe respondem. Um último suspiro, que em sopro se transforma, faz levantar do pó da terra, uma outra criatura. Nasce o homem, mas Ele, já estaria morto.



Marcos Vinícius.

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