Dentro
do shopping, em meio ao corredor que dá acesso não apenas aos banheiros, como à
rampa que leva à plataforma do metrô, o que faz do local um ponto de intensa
movimentação de transeuntes, trabalhadores e consumidores, há um bebedouro,
onde sempre há quem vai ali matar a sua sede. Não são raras as ocasiões, em que
filas se formam entre ansiosos e apressados, quase todos, com os olhos pregados
nas telas luminosas dos smartphones. Ao me aproximar, para que, também eu,
pudesse beber um pouco daquela água filtrada, fui bruscamente barrado por uma
senhora, que com as mãos espalmadas e voltadas para mim, disse: - O senhor não
pode beber desta água, pois desliguei o bebedouro para carregar a bateria do
meu telefone celular. E me fitou com um olhar decidido e definitivo. No
primeiro instante, me senti estupefato, mais surpreso que indignado. Afinal,
como chegar a tal ponto? Mas o que é isto? Como pode? O bebedouro, tão
disputado, seria interditado, para que o aparelho dela adquirisse a sua carga?
Confesso que é a primeira vez que me deparo com o fenômeno e senti-me, de
imediato, desorientado e admirado. Dolorosamente, porém, compreendi que ali, na
verdade, estava um retrato recém-revelado de um perfil de brasileiro que hoje
vem se configurando. Uma brasilidade fundamentada em um individualismo
exacerbado, em um déficit ético crônico e aparentemente insuperável, e em uma
moralidade tosca e hipócrita. Ali estava o retrato de um novo país, que se está
a construir, as últimas pás de cal, atiradas sobre o que chamamos de Estado
Democrático de Direito, já se fazem sentir nos comportamentos de nossos
concidadãos, em manifestações exemplares, reveladoras e fantásticas. É o
nascimento de um novo ânimo nacional, em que autoritarismos e arrogâncias, já
estão caricaturados em meio das gentes, em uma nova cultura, um novo modus
operandi, onde o espírito das leis e da justiça jaz sepultado. Estão plantados
os alicerces da brasilidade radical, mágico-fascista, não apenas sobre
delírios, paranoias, exageros e conspirações, mas lançados às raias do absurdo.
Nasce um novo espírito, com a força do caos.
Marcos
Vinícius.