Foram poucas as vezes que assisti
filmes, dos quais já havia lido seus livros originários. Em um esforço de
memória, consigo me recordar apenas de meia dúzia deles. Na maioria dos casos,
sempre considerei os resultados muito decepcionantes, frustrantes, mesmo.
“Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, assisti há anos, era garoto na
ocasião, e pouco me lembro da versão para as telas, apenas uma lembrança
bastante corroída pelo tempo, de que, ao fim e ao cabo, empobrecera a obra da
qual havia nascido. “Feliz Ano Velho”, de Marcelo Rubens Paiva, também, por
motivos que já pouco me recordo, foi um desalento; lembro-me de ter reclamado
desta interpretação em várias ocasiões, talvez, pelo padrão global adotado, no
esforço de sua adaptação. “1984”, de George Orwell, passou longe das emoções
que apenas o livro foi capaz de despertar. “O processo”, de Franz Kafka, deste
me recordo bem, foi de uma pobreza inigualável, sofrível; cheguei a assistir
uma segunda vez, para verificar, se alguma falta de sensibilidade ou de percepção
havia me impedido de admirá-lo da primeira vez que o vi. Não, o filme é ruim
mesmo, e já o desaconselhei por mais de uma vez. O livro é uma obra prima.
Quanto ao “O perfume”, de Patrick Suskind, não é que seja ruim, o esforço foi
louvável, houve muita repercussão à época de seu lançamento, e lotou os
cinemas. Ouvi vários elogios. O problema é que fiquei muito encantado e
admirado com a leitura desta obra, achei-a, simplesmente, fantástica e a
considero uma das maiores pérolas da literatura, que tive a feliz oportunidade
de conhecer. Não apenas a história é fascinante, como a narrativa do autor, seu
dom literário e o estilo da sua escrita, tornaram sua leitura, inesquecível.
Natural que nestas condições, o filme não tenha me deixado em estado de completa
satisfação. Já “Cegueira”, da obra de José Saramago, adaptado por Fernando
Meirelles, apesar da grande dificuldade que imagino ser, levar para o cinema,
qualquer das obras do autor, foi um filme, no mínimo, razoável. O que faz da
literatura de Saramago algo fabuloso não são apenas as histórias em si, seu
enredo e roteiros, mas a forma como as conta, sua narrativa, as reflexões
filosóficas que vai traçando ao longo dos textos. É o que talvez, o torne
único, inigualável, somada a riqueza da sua prosa poética. Isto o cinema não
tem como explorar. José Saramago, ao longo de sua vida, sempre ofereceu uma
dura resistência em permitir que seus livros fossem levados para as telas.
Porém, a reação do autor português, dentro do cinema, ao lado de Meirelles, ao acabar
de ver a película, tornou-se memorável, Saramago chora, chega ao ponto de
enxugar com os dedos, as lágrimas dos olhos, e diz, “Fernando, estou tão feliz
por ter visto este filme, como estava quando acabei de escrever o livro”. Dito
isto, já não há mais o que acrescentar. Bem, na verdade, teci esta breve
recordação para, finalmente, falar sobre o estado de graça em que fiquei ontem,
ao assistir o longa-metragem “O amor nos tempos do cólera”. Sou fã
incondicional de Gabriel Garcia Márquez, e já li todos os seus romances. Por
anos resisti em ver o filme, com o receio de que ele pudesse quebrar a magia e
o encanto que me vem à mente, ao rever qualquer uma de suas histórias. Porém,
ontem, com ele em mãos, resolvi vê-lo. Belíssimo, maravilhoso. Um grande clássico
do cinema. Tudo impecável, atores, fotografia, texto, paisagens, adaptação ao
cenário de época, figurino, fidelidade à obra, tudo. É daqueles filmes que a
gente tem que assistir sem piscar, para não perder nem um pedacinho. Que bom,
nunca havia visto algo assim. Emocionante, de verdade. Além da lindíssima
história de amor, poesia e perseverança, no melhor estilo de Garcia Márquez. E
como bem disse, Florentino Ariza, seu protagonista, “Depois de 54 anos, sete
meses, onze dias e noites, meu coração, finalmente, se realizou. E eu descobri,
para a minha alegria, que é a vida, e não a morte, que não tem limites”.
Marcos Vinícius.