terça-feira, 13 de março de 2018

A fila




Durante meses, frequentou o mesmo restaurante. Era um estabelecimento grande, com um enorme número de mesas, fregueses e opções de cardápio. Estava sempre cheio, a comida era saborosa e tinha um dos preços mais módicos da região. Era também grande o número de garçons, atendentes e caixas. Três jovens moças sorridentes faziam o atendimento dos caixas, onde se formava uma fila única. Já há algum tempo, observara que, por uma coincidência quase fora do comum, era sempre atendido pela mesma moça. A fila andava e, quando chegava a sua vez, pimba, era ela, mais uma vez, dia após dia. Numa ocasião, iniciou o atendimento com um sorriso um pouco constrangedor. Provavelmente, também ela, já percebera esta brincadeira da sorte e do destino. A partir daí, no dia seguinte, ao entregar o cartão para a mocinha, o comentário foi inevitável. Ele disse: - Poxa, que coisa, hein? Sempre no seu caixa, né? Ela esbanjou um largo sorriso de confirmação, enrubesceu de imediato e disse: - É mesmo. Pensei nisto. E a fila andou. No outro dia, após receber seu troco, já com um ar de cumplicidade, ele sorri e diz para a moça: - Se eu fosse um pouco mais jovem, talvez fosse o caso de pedir sua mão em casamento. Ela sorriu desconcertada, mais vermelha que no dia anterior e fitou-lhe os olhos. Ele nunca mais voltaria ali.



Marcos Vinícius.

Na rede, entre janeiro e março.



Não imaginava que fosse tão difícil encontrar livros de Mario Benedetti nas livrarias de Belo Horizonte. E que me perdoem os moderninhos conselheiros de plantão, mas, livros, ainda gosto de adquiri-los é nas livrarias mesmo. Por mais prático que possa ser a compra pela internet, é insubstituível aquele momento glorioso em que, finalmente, aproximando-se das prateleiras, onde supostamente a obra procurada pudesse estar e, lá está ela, a escolhida, entre milhares e milhares de títulos que põe-se ao seu redor, à sua espera, prontinha para ser folheada, degustada. Impressionante, como o autor latino-americano, uruguaio, é tão pouco conhecido e tão difícil de ser encontrado aqui na cidade. Foi necessário percorrer quatro grandes livrarias para, enfim, encontrar cinco títulos de um autor que já publicou mais de oitenta. Portanto, aos sensibilizados com o problema e que, por ventura, tenham alguma de suas obras, esquecida nas velhas prateleiras, aceito de bom grado a oferta, como doação ou alguma possibilidade de troca ou negócio. Também aconselho a leitura, pois é fascinante e surpreendente. O autor é não apenas admirável, mas, como bem lembrou um crítico, o qual não me recordo o nome, estabelece conosco fortes laços de cumplicidade, pois não é difícil encontrarmos um pouco de cada um de nós, no interior de suas histórias. Apesar de ter lido dois livros apenas, já posso afirmar que, trata-se de uma obra humanamente vibrante. Viva Mario Benedetti.   -   (06 de março)




Os céus, provavelmente, sem graça com o aguaceiro que despejam sobre nós, com todas as suas calamidades, resolvem, em contrapartida, nos fazer um agrado. Nossos horizontes talvez já nem sejam mais tão belos como um dia foram, mas, arco-íris, ah, estes temos aos montes. Mais um fim de tarde arcoirizado em Beagá.  -  (05 de março)



Ei Folha de São Paulo, olá mídia golpista! Agora que o Temer censurou, com o Exército nas ruas, o vampirão da Tuiuti e a exibição das alas dos patos, manifestoches e das carteiras de trabalho, intervindo e proibindo até as alegorias da nossa festa maior, o Carnaval, já podem denominá-lo ditador Michel Temer, ou às estrelas do grande capital e do neoliberalismo, independente de toda a arrogância, abusos e autoritarismo, nunca cabe a denominação? –  (18 de fevereiro)



Se estivéssemos em uma obra, do que conhecemos como realismo mágico ou fantástico, poderíamos imaginar que um estado de exceção, em uma república bananeira qualquer, fora implantado porque se temeu que a revolta popular pudesse vir do carnaval. Ainda bem que, apesar da agenda nacional ser pautada pela Rede Globo, vivemos em um país real e distante do mundo da ficção. Ou não? 
(16 de fevereiro)


Já faz alguns anos que assisti a uma intrigante entrevista com Stephen Hawking. Nela, ele dizia que a ciência, mais cedo ou mais tarde, nos conduziria à invenção da máquina do tempo. A física havia descoberto que o tempo possui um corpo e, bastava que um dia, fossem criadas as condições para que pudéssemos nos deslocar por ele, e aí sim, poderíamos, finalmente, nos aventurarmos pelo passado. O problema é que, segundo ele, apenas nos seria permitido retornar a um tempo em que o equipamento, a parafernália, a máquina, seja lá o que for, já existisse. Então, apenas aos homens do futuro, seriam possíveis as viagens mais longas. Se por um lado, emocionei-me com a possibilidade, por outro, vi-me, também frustrado. Ali se esgotava qualquer chance de que um dia, eu pudesse retornar à Pré-História.  -  ( 01 de fevereiro)




Agenda nacional. Em encontro televisivo, em uma modalidade perversa de um "topa tudo por dinheiro", o homem do baú se diverte com o homem das malas, para afirmar que o brasileiro viverá cento e vinte anos e decretar, de vez, o fim das aposentadorias. O pacto da canalhice em espetáculo, show businnes. Um show de deboche e negócios, entre as grandes ratazanas. A bordo de uma lancha, num paraíso terrestre qualquer, cercada de quatro bombadões, peladões, em vídeo proto-pornô, a indicada para a pasta, que se desministerializou, a do Trabalho, faz um pronunciamento sadomasoquista à nação. Uma esculhambação total, mas é o retrato fiel do Brasil que nos tornamos. 
( 31 de janeiro)


O pobre coitado sempre fora afeito aos vícios e fanatismos de toda ordem. Já fez uso frequente de quase todas as drogas, as conhecidas e as desconhecidas, já decorou cartilhas dos mais variados credos, até dos não catalogados e dos inimagináveis. Recentemente, resolveu libertar-se, adquirir autonomia, personalidade e pensamento próprios. O destino o levou a um curandeiro misterioso, que garantiu que se seguisse a receita que iria lhe prescrever, estaria não apenas livre de todos os cacoetes, como se tornaria um quase intelectual, um pensador nato, capaz não apenas de compreender os meandros e a complexidade do universo, como transformar-se em um grande conselheiro, alguém a ser sempre consultado, além de apropriar-se das mais diversas áreas do conhecimento e de valiosas sabedorias. O velho curandeiro passou, então, a receita, que ele, de pronto, providenciou e tragou em doses cavalares. Foi sugerido então, que colocasse água para ferver e, em seguida, acrescentasse, penas de aves de mau agouro, no mínimo, dois bicos de tucanos, fios de gravata de vampiro, dos grandes, um caldo de páginas das revistas Veja, Época e afins ou de grandes jornais de circulação nacional, como O Globo, o Estadão e a Folha de São Paulo, mais umas pitadas de um pozinho branco, encontrado em helicópteros de políticos mineiros; este, foi o único ingrediente que não foi acrescentado à mistura, não apenas por recusar-se agora às drogas ilícitas, mas, principalmente, devido à impossibilidade de adquiri-lo. Feito isto, deveria ainda, assistir aproximadamente quinhentas horas da programação dos canais abertos de televisão, visitar por sete vezes a Morolândia, decorar quarenta e cinco páginas do novíssimo dicionário português-coxinhol e copiar quinhentas vezes a palavra CIA, sem trocar em momento algum, o C pelo S e, posteriormente, guardar as páginas caligrafradas, em local secretíssimo, bem distante do domínio público. E assim ele fez. Orgulhoso e sentindo-se curado, fez sua primeira publicação no Facebook. O título era nobre. Pensamentos do Dia. Enumerou-os na seguinte ordem. Pensamento número um, Em terra de LULA, quem tem um olho é LULA. Pensamento número dois, LULA o que eu digo, mas não LULA o que eu faço. Pensamento número três, O LULA perguntou ao LULA, qual LULA era mais LULA. O LULA respondeu para o LULA, que o LULA mais LULA, era o LULA-LULA. Para fechar o post, vaidosamente, acrescentou, Água LULA em pedra LULA, tanto bate até que LULA. Até agora há pouco, já havia curtidas e compartilhamentos, o que deixara o pobre coitado feliz e cheio de entusiasmos. Com quantos LULA se faz uma canoa?   

(22 de janeiro de 2018)