Permanecia de pé, ainda que em
ruína, aquela parede grossa, uma imensa coluna cravada no chão. Sabe-se lá de
que construção fora criada, templos, palácios, fortalezas, por ali não se tinha
notícias. Mas ela resistia em sua frieza úmida, tomada de mofos, trincas
irreversíveis, rachaduras profundas. Mantinha-se inerte. Prostrada. Fincada.
Ainda não havia ocorrido tempestades, abalos sísmicos ou mísseis, que a
abatesse de vez. A especulação imobiliária e as bolhas financeiras não lhe
golpearam os alicerces. Na mórbida estampa descascada aflorava a arqueologia
das cores, tantas quantas, se pintaram nela. Uma após a outra, suas camadas, já
descoloridas, se revelavam ao mundo. Eram tantas e, porém, já não eram cor
alguma. O adobe punha-se à mostra. O concreto era parte fóssil, parte farelo.
Um lado duro feito rocha, outro oco, e carunchado. Mantinha-se de pé. Testemunha
única de um tempo que já se perdeu e uma história que se apagou. Ainda assim,
sem perspectiva de restauros. Os fungos já lhe comiam as entranhas, as bactérias
lhe corrompiam qualquer concretude e os cupins lhe arrancaram os caibros.
Prosseguia, aos pedaços, em desafio à pressa dos calendários e à violência de
todas as épocas. De pé, sem que se saiba o quando ou porque, mostrando aos
homens, a degeneração lenta e absoluta, os tamanhos do tempo e a fatalidade do
esquecimento.
Marcos Vinícius.
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