domingo, 21 de janeiro de 2018

Do esquecimento



Permanecia de pé, ainda que em ruína, aquela parede grossa, uma imensa coluna cravada no chão. Sabe-se lá de que construção fora criada, templos, palácios, fortalezas, por ali não se tinha notícias. Mas ela resistia em sua frieza úmida, tomada de mofos, trincas irreversíveis, rachaduras profundas. Mantinha-se inerte. Prostrada. Fincada. Ainda não havia ocorrido tempestades, abalos sísmicos ou mísseis, que a abatesse de vez. A especulação imobiliária e as bolhas financeiras não lhe golpearam os alicerces. Na mórbida estampa descascada aflorava a arqueologia das cores, tantas quantas, se pintaram nela. Uma após a outra, suas camadas, já descoloridas, se revelavam ao mundo. Eram tantas e, porém, já não eram cor alguma. O adobe punha-se à mostra. O concreto era parte fóssil, parte farelo. Um lado duro feito rocha, outro oco, e carunchado. Mantinha-se de pé. Testemunha única de um tempo que já se perdeu e uma história que se apagou. Ainda assim, sem perspectiva de restauros. Os fungos já lhe comiam as entranhas, as bactérias lhe corrompiam qualquer concretude e os cupins lhe arrancaram os caibros. Prosseguia, aos pedaços, em desafio à pressa dos calendários e à violência de todas as épocas. De pé, sem que se saiba o quando ou porque, mostrando aos homens, a degeneração lenta e absoluta, os tamanhos do tempo e a fatalidade do esquecimento.


Marcos Vinícius.

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