quarta-feira, 30 de julho de 2014

Onde vamos?




Onde vamos?



Há sempre quem pergunte qual é a moral da História. Muitas das vezes, quando lemos ou ouvimos uma história qualquer, ficamos nos perguntando, o que há por trás dos fenômenos narrados, que lição o autor pretende passar, o que podemos extrair das entrelinhas, das intenções não explicitamente reveladas, que segredo, mistério ou mágica estarão nos aguardando linhas e palavras à frente? Como se cada história que se conta ou se ouve fosse sempre carregada de segundas intenções, caixas-pretas, onde se diz uma coisa, para no fundo, afirmar o seu contrário, onde se revela para esconder e se esconde para revelar. Sim, é lá na frente, no final, que tanto o autor e o observador têm que juntar todas as peças espalhadas ao longo do enredo, e chegar a um desfecho minimamente lógico ou compreensível. É lá nas linhas finais que a complexidade da história deverá se amarrar, quando o suspense estará concluído, as dúvidas dirimidas, as verdades expostas, e toda a conjuntura, real ou fictícia, atingirá sua dimensão conclusiva. Ali estará sua moral, carregada de simbologias e significados.


Poucas imagens são tão divulgadas e conhecidas como retrato da história da evolução humana, quanto aquela que traz uma sucessão de desenhos de nossos antepassados, desde os mais antigos, até nossa moderníssima espécie sapiens sapiens, em fila indiana, numa escala temporal de alguns milhões de anos. Os primeiros são antropoides primitivos, comedores de raízes, que se arrastam pelo chão; em seguida, nossos ancestrais, peludos e selvagens, vão aos poucos, deixando de curvarem-se ante as violentas forças da natureza e já encaram os inimigos de pé, com o peito aberto, e as mãos livres para a manipulação de ferramentas e armamentos rudimentares. Tem o cérebro menor, e nada mais natural que se pareçam infinitamente menos inteligentes que o homem moderno. A longa trajetória, retrato e símbolo de nossa história de longa duração, desde as mais primitivas das espécies, passando pela selvageria e barbárie, e superada a idade das trevas, parece desembocar em um resultado de redenção e glórias, onde o desenvolvimento científico e tecnológico, nos põe a frente, um futuro cada dia mais rico e promissor. Nada mais falacioso e enganador.


Apesar de conhecermos bem, após milhares de anos de história, todo o repertório de perversidades e absurdos que criamos e aperfeiçoamos ao longo de inúmeras gerações, a fome crônica, as mais devastadoras bombas e mísseis, as indústrias farmacêutica e alimentícia, que se colocam mais a serviço da morte que da vida, a constituição de territórios sem limites de miséria e escassez, a transformação dos rios em esgotos e das florestas em desertos, a criação da sub-raça humana, a genética da desnutrição, nenhum outro episódio ou imagem que nos põe à mostra, são mais reveladores do quão degenerado e corrompido é o destino de nossa espécie, quanto às que nos abarrotam a vista e estão em todo canto, do genocídio cometido por Israel contra os palestinos da faixa de Gaza. Fatalidade e absurdo. O fim de qualquer esperança que exista algum tipo de ética na civilização e no mundo que construímos. Os amontoados de crianças mortas, ensanguentadas, estripadas, os bombardeios contínuos sobre o que mais parece um campo de concentração, são as mais recentes imagens e tragédias que nossa humanidade conseguiu produzir. Difícil esconder o sangue que perturba nosso sonho e aflige nossas ilusões. Talvez a linha reta de nossa evolução nos leve ao abismo, o abismo que irresponsavelmente, deixaremos às gerações futuras. Afinal, a história, também ela, pode ser imoral.



Marcos Vinícius.

sábado, 19 de julho de 2014

A guerra, o futuro e os girassóis



A guerra, o futuro e os girassóis.



Acho que mesmo os mais otimistas terão que concordar que a segunda metade do ano de 2014 que agora se inicia, não tem nos oferecido sinais de que dias melhores virão, como muitos gostariam de acreditar. Quem consegue ver o mundo um pouco além das Copas, e a realidade que se esconde por trás da manipulação e deformação das mídias, certamente irá encontrar uma humanidade um pouco pior do que a encontramos dias atrás. O semestre se abre com episódios tragicamente perturbadores, onde as engrenagens da história apresentam-se mais como trituradores de gentes e sonhos, que como perspectiva de liberdade e redenção. Aqui em nossa colônia contemporânea, condição exposta mais às claras que nunca, com a intervenção estrangeira a que acabamos por nos submeter, com ocupação armada de territórios, muita violência e terrorismo de Estado, em função dos jogos do Mundial, uma nuvem carregada de retrocessos e arbitrariedades, paira sobre um país que se recusa a livrar-se de sua arraigada cultura ditatorial. A forte repressão que vem se abatendo sobre os movimentos populares e as prisões políticas e desaparecimentos que tem ocorrido em todo território nacional, sepulta de vez qualquer ilusão que um dia podemos ter tido de vivermos sob um sistema democrático. São bobagens que apenas os editoriais de nossa imprensa conservadora e reacionária insistem em fazer acreditar, além é claro, dos oportunistas de toda ordem. Que futuro construímos quando os jovens que se propõem a lutar por um mundo melhor, ao contrário da maioria alienada, esmagada pela propaganda e desinformação, são trancados em prisões de segurança máxima, condenados a todo tipo de torturas, e sem qualquer perspectiva de acesso aos princípios mais elementares do Estado de Direito?

O noticiário internacional da semana que se encerra também não é dos mais animadores. Além das guerras de sempre, com seus milhares de mortos, feridos e refugiados, duas fatalidades ocorridas nos últimos dias nos fazem perguntar sobre quem neste mundo pode ainda acreditar em qualquer perspectiva de um futuro de paz. Há pouco mais de dez dias, Israel vem lançando sobre a humanidade, sim, humanidade, é bom frisar, para que não nos esqueçamos, da faixa de Gaza, um bombardeio intenso e contínuo, com um saldo de cerca de trezentos palestinos mortos e dois mil feridos, na operação denominada Margem Protetora. Em 17 de julho, décimo dia da ofensiva, forças terrestres invadiram o território e, em poucas horas, aproximadamente cinquenta e oito civis foram barbaramente assassinados. As operações israelenses na faixa de Gaza, um gigantesco presídio a céu aberto, sempre fazem um número muito grande de vítimas crianças, mortas ou mutiladas, em uma região onde se apresenta uma das mais elevadas taxas de fecundidade do planeta. Mais uma vez, é de se imaginar que perspectivas futuras construímos com gerações inteiras gestadas sob o terrorismo chapa branca, o assombro e o medo. Por mais que possamos nos beneficiar do desenvolvimento científico e tecnológico dos últimos tempos, não podemos ter ilusões, as descobertas e os inventos mais sofisticados, são aplicados na indústria da guerra e da morte, talvez a mais poderosa e afortunada da história. A indústria bélica israelense, sócia-irmã da norte-americana, é uma das mais avançadas, do ponto de vista tecnológico e dos investimentos,  que se tem notícia. Os manifestantes e ativistas brasileiros, nos últimos tempos, tem tido a oportunidade de experimentar, obviamente na condição de vítimas, alguns destes novos armamentos, tão cobiçadas pela elite nacional e largamente utilizados pelas forças de repressão. O Brasil é um dos cinco maiores importadores de armas de Israel.

No mesmo dia em que as forças terroristas sionistas invadiam por terra a faixa de Gaza, um míssil russo, não se sabe ainda se lançado pelos próprios russos ou por ucranianos, pois seus armamentos são praticamente similares, derrubam um avião comercial que havia saído de Amsterdã com destino a Kuala Lumpur, Malásia, com 283 passageiros e 15 tripulantes, quando atravessava a fronteira da Ucrânia com a Rússia. O míssil que derrubou o BOEING-777, conhecido por AS-11 Gadfly, é um equipamento poderoso e sofisticadíssimo, guiado por radares, atinge uma velocidade supersônica, e uma ogiva apenas destrói facilmente um avião deste porte até a 22 mil metros de altura, em um piscar de olhos. Os corpos se espalharam pelas plantações do leste ucraniano a um raio de 15 km de extensão. Dentre as vítimas, de várias nacionalidades, dezenas delas, eram renomados cientistas e ativistas que viajavam para Melbourne, na Austrália, para participarem de uma importante conferência sobre a AIDS, a 20ª Conferência Internacional de AIDS, que se inicia no domingo, dia 20 de Julho. Um dos mortos foi o holandês Joep Lange, um dos mais importantes especialistas em HIV no mundo e pesquisava o assunto havia 30 anos. Foi um dos primeiros a defender o acesso a medicamentos contra a doença em países pobres. A médica brasileira Eliana Gutierrez, que participará da Conferência afirma que o acidente “é uma perda impossível de calcular, que pode comprometer bastante o futuro do enfrentamento da AIDS”.

Enfim, esta primeira semana do pós-Copa, com seu misto de tragédias e fatalidades, não nos permite vislumbrar ainda, o arco-íris colorido e vibrante que os mais otimistas fazem questão de pintar. Neste cenário sombrio que se configurou nos últimos dias, um elemento que se repete como gerador de infortúnios, seja aqui ou acolá, é o estrago causado pelo terrorismo de Estado. A violência policial e o Estado de Exceção que se implantou no Brasil, o genocídio que mais uma vez se inicia em Gaza e a derrubada de um avião comercial, certamente, por um exército profissional e regular, são fortes indícios e significativamente simbólicos, do quanto ainda terá que caminhar a humanidade, para se escrever uma história, minimamente feliz. Acrescentaria ainda, para fins de ilustração, duas imagens inquietantes trazidas nos jornais a respeito do acidente com o Boeing. Em uma delas, vê-se um corpo estendido em um vasto campo de girassóis, a flor-símbolo da sorte e felicidade, a outra, uma fotografia da aeronave abatida, antes da decolagem, que o holandês Cor Pan, passageiro do voo, publicou em seu Facebook, pouco antes de morrer.  Em uma referência ao avião que sumiu em 08 de março com 239 pessoas e nunca foi achado, e como mais um sintoma da crise de otimismo nos dias em que vivemos, atribuiu a seguinte legenda à fotografia, “Se ele desaparecer, é assim que ele era”.



Marcos Vinícius.