A raposa e as galinhas.
Já há muito tempo viviam naquele galinheiro. Na verdade, o sonho de seu proprietário, era formar uma grande granja, mas as dívidas que acabou contraindo nos bancos, fizeram com que forçosamente tivesse que optar por um investimento mais modesto. E ali viviam as quatro, praticamente isoladas naquele fundo de quintal, mas recebiam diariamente sua ração de milho, pela qual deveriam retribuir, regularmente, em forma de ovos. Assim viviam, ciscando o chão, bicando as paredes, talvez por alguma carência alimentar, alguma deficiência nutritiva, a falta de cálcio no sangue, ou sabe-se lá o que, constantemente davam umas bicadinhas das paredes laterais do galinheiro. No mais, como de praxe, dormiam cedo, e acordavam cedo também, limpavam suas penas, enchiam os papos, e ficavam a tagarelar. Quem de perto espiasse, poderia imaginar que são antigas amigas, confidentes, companheiras, apesar de aparentemente sempre desconfiadas, umas em relação às outras. A impressão que se tem, é que, olham-se sempre, mutuamente, com o chamado olhar de soslaio, sorrateiro, desconfiado. Em alguns momentos, parecem zangarem-se umas com as outras e chegam a trocar bicadas. Vivem ali, as quatro, a sós, isoladas entre caixotes de madeira, e uma tela de arame, em forma de L que se prende nos cantos do muro de concreto, sem sequer imaginar, que habitam um planeta, com uma população estimada em mais de 25 bilhões de galinhas.
Num dia qualquer, descobrem a firme intenção da raposa que vivia pela mata vizinha, em atacar-lhes pelo meio da noite. As quatro se ouriçam, e entram em uma terrível inquietude, sabiam que tinham chances de escapar, mas que para tanto, precisavam se organizar, e antes de qualquer coisa, era necessário que estivessem unidas naquele momento, pois tinham a noção exata do perigo que corriam, seja pelo brilho dos olhos daquela temível raposa, que seus olhos já tinham tido a oportunidade de cruzar, seja pelos gritos agonizantes das galinhas vizinhas, já entre os dentes de seu predador, que tiveram a infelicidade de ouvir por mais de uma vez. Pode-se dizer que mais que nunca, estavam aterrorizadas. A possibilidade de não se safarem, era terrivelmente considerada.
Passaram o dia inteiro tagarelando. Difícil saber quem tagarelava mais. Estavam visivelmente apavoradas e cada qual, a seu modo, de acordo com seu jeito próprio de conceber e ver as coisas, apresentava uma alternativa, uma receita de salvação que considerava mais apropriada para a ocasião. A galinha mais cinzenta, sugeria para as demais, que fossem todas, no final da tarde, para a parte mais alta do galinheiro, porque por ali, havia uma passagem, para um caixote por sobre o telhadinho, por onde certamente estariam mais seguras. Riscos? Sim, havia. Se o caixote cedesse ao peso, poderiam cair no quintal do vizinho, e aí sim, tornar-se-iam presas mais fáceis, e seriam certamente, devoradas. A galinha mais velha, sugeria o silêncio total quando a noite caísse, pois já era do seu conhecimento que o faro daquela raposa não era dos melhores, e que desconfiava inclusive, que ela identificasse suas vítimas pelo ruído. Acreditava que se mantivessem caladas, literalmente, de bichos fechados, ficariam, pois, protegidas. Riscos? Sim, a condição silenciosa acabaria por obrigá-las a uma posição pouco defensiva, o que em caso de ataque, poderia ser fatal. A outra, a mais franzina, sugeria que passassem a noite apertadas por sob o buraco do muro, pois ali seria de mais difícil acesso à velha raposa, mas havia o inconveniente de não conseguirem dormir, dada a posição incômoda em que teriam que pernoitar. Riscos? Sim. A noite insone, poderia deixá-las mais fragilizadas perante um ataque fulminante. A galinha de crista quebrada, sugeria avançar sobre o animal e apresentava uma estratégia ousada, heróica, onde a raposa parecia mesmo não ter vez. Riscos? Havia. Um descuido, um vôo ou bicada em falso, e transformar-se-iam em penas esvoaçantes.
As galinhas estavam todas convencidas que as alternativas que apresentavam, as suas próprias, eram as melhores, todas as outras apresentavam falhas gravíssimas, irreversíveis, diante das que acabava de formular. Cada uma delas cacarejava com mais veemência e convicção. Ao longo do dia, somavam argumentos às suas causas, que passaram a defender com paixão e fervor praticamente religioso. Cada uma acreditava piamente, que havia encontrado, finalmente, o caminho da salvação. Pulavam sobre o poleiro, tagarelavam, cacarejavam, gritavam, e quase não ouviam as alternativas, umas das outras.
A galinha, do primeiro plano, defendia a saída pelo alto, pois além de acreditar, estar livre de qualquer possibilidade de vir a falhar, via ainda, a alternativa como a possibilidade de uma vitória completa por sobre o inimigo. A saída por cima. Considerava as propostas das demais, que pouco ouvira, como entreguistas e ingênuas. Completamente inviáveis. A que pregava o silêncio, talvez inconscientemente, estivesse mesmo, a legislar em causa própria, na medida em que, sua alternativa, acreditava, era a que menos lhe exporia a riscos, dada a sua idade já avançada. Acreditava que as outras idéias, fossem por demais ousadas, egoístas e, portanto, fadadas ao fracasso. A magricela da turma, considerava muito mais sensato, ficarem as quatro, comprimidas por sob o muro, pois dali não teria como a raposa alcançá-las e que as propostas das companheiras eram irrealistas, e sem qualquer chance de êxito. A que certamente, quebrou a crista, em alguma disputa, ou rinha qualquer, defendia que o ataque ofensivo pode dobrar o inimigo, e dizia-se desonrada em saber que divide o território com companheiras covardes e derrotistas.
Arrastaram-se por horas num debate sem fim. Ali concentravam todas as suas energias, as quais não pensavam em poupar. O clima era tenso entre elas. O dia chegava ao fim, e muito distantes estavam de um consenso, um acordo. Tagarelavam, tagarelavam. As defesas cada vez mais apaixonados e os ataques cada vez mais fulminantes e mortais. As galinhas cacarejavam umas contra as outras, e se odiavam como nunca haviam feito. Nunca foram tão desunidas e loucas. Não deram por si, quando a raposa engoliu a todas.
Já há muito tempo viviam naquele galinheiro. Na verdade, o sonho de seu proprietário, era formar uma grande granja, mas as dívidas que acabou contraindo nos bancos, fizeram com que forçosamente tivesse que optar por um investimento mais modesto. E ali viviam as quatro, praticamente isoladas naquele fundo de quintal, mas recebiam diariamente sua ração de milho, pela qual deveriam retribuir, regularmente, em forma de ovos. Assim viviam, ciscando o chão, bicando as paredes, talvez por alguma carência alimentar, alguma deficiência nutritiva, a falta de cálcio no sangue, ou sabe-se lá o que, constantemente davam umas bicadinhas das paredes laterais do galinheiro. No mais, como de praxe, dormiam cedo, e acordavam cedo também, limpavam suas penas, enchiam os papos, e ficavam a tagarelar. Quem de perto espiasse, poderia imaginar que são antigas amigas, confidentes, companheiras, apesar de aparentemente sempre desconfiadas, umas em relação às outras. A impressão que se tem, é que, olham-se sempre, mutuamente, com o chamado olhar de soslaio, sorrateiro, desconfiado. Em alguns momentos, parecem zangarem-se umas com as outras e chegam a trocar bicadas. Vivem ali, as quatro, a sós, isoladas entre caixotes de madeira, e uma tela de arame, em forma de L que se prende nos cantos do muro de concreto, sem sequer imaginar, que habitam um planeta, com uma população estimada em mais de 25 bilhões de galinhas.
Num dia qualquer, descobrem a firme intenção da raposa que vivia pela mata vizinha, em atacar-lhes pelo meio da noite. As quatro se ouriçam, e entram em uma terrível inquietude, sabiam que tinham chances de escapar, mas que para tanto, precisavam se organizar, e antes de qualquer coisa, era necessário que estivessem unidas naquele momento, pois tinham a noção exata do perigo que corriam, seja pelo brilho dos olhos daquela temível raposa, que seus olhos já tinham tido a oportunidade de cruzar, seja pelos gritos agonizantes das galinhas vizinhas, já entre os dentes de seu predador, que tiveram a infelicidade de ouvir por mais de uma vez. Pode-se dizer que mais que nunca, estavam aterrorizadas. A possibilidade de não se safarem, era terrivelmente considerada.
Passaram o dia inteiro tagarelando. Difícil saber quem tagarelava mais. Estavam visivelmente apavoradas e cada qual, a seu modo, de acordo com seu jeito próprio de conceber e ver as coisas, apresentava uma alternativa, uma receita de salvação que considerava mais apropriada para a ocasião. A galinha mais cinzenta, sugeria para as demais, que fossem todas, no final da tarde, para a parte mais alta do galinheiro, porque por ali, havia uma passagem, para um caixote por sobre o telhadinho, por onde certamente estariam mais seguras. Riscos? Sim, havia. Se o caixote cedesse ao peso, poderiam cair no quintal do vizinho, e aí sim, tornar-se-iam presas mais fáceis, e seriam certamente, devoradas. A galinha mais velha, sugeria o silêncio total quando a noite caísse, pois já era do seu conhecimento que o faro daquela raposa não era dos melhores, e que desconfiava inclusive, que ela identificasse suas vítimas pelo ruído. Acreditava que se mantivessem caladas, literalmente, de bichos fechados, ficariam, pois, protegidas. Riscos? Sim, a condição silenciosa acabaria por obrigá-las a uma posição pouco defensiva, o que em caso de ataque, poderia ser fatal. A outra, a mais franzina, sugeria que passassem a noite apertadas por sob o buraco do muro, pois ali seria de mais difícil acesso à velha raposa, mas havia o inconveniente de não conseguirem dormir, dada a posição incômoda em que teriam que pernoitar. Riscos? Sim. A noite insone, poderia deixá-las mais fragilizadas perante um ataque fulminante. A galinha de crista quebrada, sugeria avançar sobre o animal e apresentava uma estratégia ousada, heróica, onde a raposa parecia mesmo não ter vez. Riscos? Havia. Um descuido, um vôo ou bicada em falso, e transformar-se-iam em penas esvoaçantes.
As galinhas estavam todas convencidas que as alternativas que apresentavam, as suas próprias, eram as melhores, todas as outras apresentavam falhas gravíssimas, irreversíveis, diante das que acabava de formular. Cada uma delas cacarejava com mais veemência e convicção. Ao longo do dia, somavam argumentos às suas causas, que passaram a defender com paixão e fervor praticamente religioso. Cada uma acreditava piamente, que havia encontrado, finalmente, o caminho da salvação. Pulavam sobre o poleiro, tagarelavam, cacarejavam, gritavam, e quase não ouviam as alternativas, umas das outras.
A galinha, do primeiro plano, defendia a saída pelo alto, pois além de acreditar, estar livre de qualquer possibilidade de vir a falhar, via ainda, a alternativa como a possibilidade de uma vitória completa por sobre o inimigo. A saída por cima. Considerava as propostas das demais, que pouco ouvira, como entreguistas e ingênuas. Completamente inviáveis. A que pregava o silêncio, talvez inconscientemente, estivesse mesmo, a legislar em causa própria, na medida em que, sua alternativa, acreditava, era a que menos lhe exporia a riscos, dada a sua idade já avançada. Acreditava que as outras idéias, fossem por demais ousadas, egoístas e, portanto, fadadas ao fracasso. A magricela da turma, considerava muito mais sensato, ficarem as quatro, comprimidas por sob o muro, pois dali não teria como a raposa alcançá-las e que as propostas das companheiras eram irrealistas, e sem qualquer chance de êxito. A que certamente, quebrou a crista, em alguma disputa, ou rinha qualquer, defendia que o ataque ofensivo pode dobrar o inimigo, e dizia-se desonrada em saber que divide o território com companheiras covardes e derrotistas.
Arrastaram-se por horas num debate sem fim. Ali concentravam todas as suas energias, as quais não pensavam em poupar. O clima era tenso entre elas. O dia chegava ao fim, e muito distantes estavam de um consenso, um acordo. Tagarelavam, tagarelavam. As defesas cada vez mais apaixonados e os ataques cada vez mais fulminantes e mortais. As galinhas cacarejavam umas contra as outras, e se odiavam como nunca haviam feito. Nunca foram tão desunidas e loucas. Não deram por si, quando a raposa engoliu a todas.
Marcos Vinícius.