quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Outubro, os jornais e o mercado.


Outubro, os jornais e o mercado



Quem teve a oportunidade de acompanhar os jornais neste mês de Outubro pôde perceber a força, onipotência e onipresença do grande deus-mercado. Este foi um mês atípico e nas linhas e entrelinhas dos jornais, podemos observar o quanto a poderosa entidade tem contribuído para tornar o mundo mais desigual, triste e patético. Do reino dos céus do capital, no centro nevrálgico do sistema, uma avalanche de bancos quebrados deixou os governos de plantão, reféns de uma crise financeira sem precedentes. Os pobres do mundo certamente pagarão a conta mais uma vez. A expectativa, diante da crise, é que a miséria, no médio e longo prazo, se aprofunde e agrave ainda mais. Já sabemos que a gritaria nas Bolsas, a brusca oscilação dos números, do câmbio, do valor das moedas, acaba por resultar no aumento da fome, da desnutrição, de doenças crônicas, mortalidade infantil, violência e de tantos outros dramas que afligem a população mundial em nosso capitalismo global e selvagem.


No campo da política, em qualquer esfera ou setor, vimos que praticamente não há alternativa. Entre os verdes, amarelos, azuis, roxos, vermelhos, ou qualquer outra coloração ou bandeira que possa aparecer, as receitas e a fórmulas, são sempre praticamente as mesmas. A arte da política vem se tornando cada vez mais estreita. Em tempos de campanha eleitoral, os candidatos são apresentados ao eleitorado como se mais não fossem, que simples mercadorias, bem embaladinhas pelos marqueteiros que tem a responsabilidade de eleger seus clientes. São eles os grandes agentes da ação política eleitoral, pois são, em ultima instância, quem, a serviço do grande capital, elegem, de fato, os governantes. Como bem observou o filósofo John Dewey, a política tornou-se “uma sombra dos negócios sobre a sociedade”. A política submissa aos mercados.


Quem leu os jornais de Outubro, pôde se indignar com o episódio do poeta e professor de literatura que foi demitido de um colégio particular no Rio de Janeiro, porque os pais dos alunos descobriram no blog e nos livros publicados pelo professor, versos eróticos. Os pais consideraram então, que os versos poderiam desqualificá-lo como educador e pressionaram a escola a demiti-lo. Como a escola não tinha a intenção de contrariar os interesses de seus clientes, o professor perdeu seu emprego. A escola alegou que havia um ‘parecer de psicólogos e juristas condenando a combinação do professor com o escritor em uma só pessoa’. O gesto ilustra de forma bem simbólica como o mercado, pode mais uma vez, ser alienante. A poesia foi extirpada do local onde prioritariamente, deveria se produzir o conhecimento, o saber - a instituição escolar. Na confusão dos negócios, muita coisa fica fora do lugar.


Outro caso típico de coisa fora do lugar é a crise pela qual vem passando a arte circense no país afora, matéria do jornal Estado de Minas desta semana. Só aqui em Belo Horizonte, onde há 3o anos, havia mais de 35 circos de bairro, hoje, não existem mais. É o prenúncio do fim de uma das manifestações mais antigas da arte popular. Entre um sem número de fatores que explicam o fracasso pouco espetacular dos circos itinerantes no Brasil é justamente o mercado imobiliário. Na maioria das vezes, os aluguéis dos imóveis nas regiões mais acessíveis ao grande público são incompatíveis com as rendas auferidas e a necessidade de sobrevivência dos artistas. A arte circense agoniza e morre ante o jogo da especulação imobiliária. Segundo Sônia Braskuper, acrobata, trapezista e mágica do circo Imperial, “Um dos prefeitos teve a capacidade de me dizer que nós, artistas, quando chegamos ao município, atrapalhamos a economia local, uma vez que os moradores compram os ingressos”. Os artistas, além de praticamente excluídos do mercado, também o são das praças, das cidades, demonstrando que junto à exclusão sócio-econômica, sempre vem acompanhada uma dose de intolerância, principalmente advinda das elites locais. Quase não há espaço para o circo mambembe, itinerante, em nossa pós-moderna aldeia global. “A coisa mais triste do mundo é quando encontramos um palhaço tradicional na porta de uma loja, fazendo palhaçadas para um público que não a enxerga”, afirma Sula Mavrudis, fundadora da entidade Rede de Apoio ao Circo.


Deu no jornal. Um pequeno grupo de adolescentes encontrou, às margens de um córrego fétido no Bairro Solar, em Belo Horizonte, um baú recém desenterrado por pedreiros, que não deram importância ao objeto, repleto de pedras de várias cores, semelhantes a esmeraldas, rubis e safiras, além de colares, brincos e pingentes. O anúncio da descoberta abriu na região, entre a vizinhança, uma verdadeira corrida ao ouro; vários moradores foram ao local ver se podiam encontrar alguma sobra, alguma pedrinha que pudesse ser trocada no mercado. Mas a busca parece, ter sido vã, o sonho e a alegria duraram pouco, pois de acordo com um especialista, as pedras são crizopázios, usadas para a produção de bijuterias. O tesouro, que muitos acreditavam ter pertencido a garimpeiros ou a um rico fazendeiro que viveu por estas bandas há muitos anos, acabou virando pó ante os olhos sonhadores dos antes sortudos e privilegiados descobridores, do bairro Solar. Outro sonho de eldorado desfeito. “(...)é uma pena não ter valor de mercado. Serve como lição. A gente que nasceu pobre, para crescer, tem que ser por meio do trabalho. Não adianta sonhar”, desabafa a dona-de-casa Marcelinha Pereira, de vinte e nove anos, quem também foi à cata do tesouro, sem poder certamente dimensionar o efeito devastador que a crise atual terá sobre o já estrangulado mercado de trabalho.


Estes episódios, aparentemente isolados, veiculados pelos jornais nesta primeira semana de Outubro são como muitos outros, amostras da força do mercado enquanto entidade suprema que controla a tudo e a todos, tornando o mundo, a cada dia, menos poético e alegre. Talvez as maiores lições que possamos tirar disso tudo, seja a voz dos principais protagonistas das histórias relatadas. Do poeta professor Oswaldo Martins: “Goya/o sonho o pintor revela/gostáramos de bruxas/de vê-las arder fogueira adentro/dos fuzilamentos/do caso Dreyfus/de ver Flaubert dizer/nos tribunais/e Sócrates ser morto/os espetáculo, senhores/está vivo”. Ou o depoimento emocionado do palhaço Rapadura: “No picadeiro está a vida, a alegria e o aconchego. Mesmo que a luta seja grande, temos que sobreviver e persistir na continuidade dessa arte. Fechar as cortinas é o mesmo que matar um sorriso”. Talvez ainda adiante sonhar. A vida se reinventa na arte, como alguém certamente já o disse, e essa certamente, não morreu, apesar do mercado, apesar da política.




Marcos Vinícius.

sábado, 4 de outubro de 2008

Os aviões de Wall Street


Os aviões de Wall Street




Não entendo coisa alguma de economia. Muito pela minha falta de esforço em tentar compreender sua ciência, muito pelo excesso de esforço das classes dirigentes ou dos que estão a seu serviço, em fazer com que ela seja, muitas das vezes, ininteligível. Não é qualquer cidadão que consegue folhear as páginas dos cadernos de economia e ler com facilidade e desenvoltura os artigos, e principalmente, as opiniões, os debates que ali se travam. Neste aspecto, não estou sozinho. As opiniões, como em qualquer outro assunto, ou polêmica relacionada ao mundo dos homens, são contraditórias, conflitantes, divergentes. Há um sem números de quadros, números, tabelas, gráficos, que deixa a maioria dos leitores estarrecidos, diante de um código, que à primeira vista, parece absolutamente indecifrável. Talvez, seja este, mais um dos motivos, pelos quais a maioria absoluta dos brasileiros, leitores de jornais, lêem praticamente apenas os cadernos esportivos. Muitas das vezes, as explicações mais dificultam do que facilitam a compreensão de determinados fenômenos da economia. E assim caminha a humanidade.


Diante da mais recente crise do sistema capitalista global, os cadernos de economia tem vindo mais volumosos. O tempo gasto nos telejornais a tratar dos temas econômicos é também maior. Compreenderão os cidadãos do mundo o que se passa afinal com o sistema econômico que de certa forma, entrelaça todo o planeta e todos os povos? Compreenderão os africanos, os sul-americanos, os pobres do mundo, os pobres do sul, o que está a se passar de fato com o mundo, em seus fundamentos econômicos? Entenderemos nós, o que verdadeiramente medem os índices Nasdaq , Dow Jones, Bovespa e tantos outros? As flutuações do câmbio, as taxas dos mercados, a gritaria das Bolsas, o intuito dos planos, os discursos dos especialistas e tecnocratas? Entenderão os povos a língua desta nova entidade, o culto da nova divindade, o deus-mercado? Certamente, não. Estão a ver navios. É uma linguagem difícil de ser desvendada para a maioria da população mundial, que vive, digamos alijada, das benesses do capital. É uma fatalidade.


A crise recente, que se manifesta a partir de Wall Street, mesmo sendo difícil de ser compreendida, será certamente sentida, vivida pela maioria da população mundial que será chamada, mais uma vez, a pagar a conta. Isto é certo. Não saberia explicar esta crise, com o rigor técnico que a natureza complexa do sistema demanda. Mas este fenômeno me fez lembrar um golpe que vi sendo aplicado, pelo menos duas vezes, anos atrás. Golpe que fez, por sinal, uma infinidade de vítimas. Claro, que em proporções infimamente menores em relação à crise de Nova Iorque. O golpe começava com um jogo, que se não me trai a memória, chamava-se avião. Aqui em Belo Horizonte, começou com algumas poucas pessoas, e rapidamente, envolveu praticamente quase a cidade inteira; não havia quem não conhecesse alguém que tivesse entrado neste jogo, neste avião que mais parecia uma canoa furada. Funcionava assim: você pagava um valor x para quem te apresentasse ao esquema. Feito isto, você deveria encontrar mais dez vítimas, e cada uma deveria lhe pagar o mesmo valor x que você havia pago. Neste momento, você obtinha o seu montante, aumentado dez vezes. Um bom negócio. Cada um que pagou o valor x, teria que arrebanhar mais dez vítmas para que enfim, pudesse também usufruir do seu quinhão, do seu investimento. Aqueles que deram início ao jogo acabaram se dando bem, pois era uma novidade, e todos queriam se aproveitar, porém o crescimento do sistema, em escala geométrica, rapidamente envolveu uma população bastante considerável. Mas como garantir a partir daí, que todos lucrassem? Impossível. O sistema não se auto-sustentava, pois para cada ganhador, havia dez pagadores. E claro está que em um sistema assim é logicamente impossível que todos ganhem. Pelo contrário, a maioria esmagadora pagou o pato para uma minoria espertalhona que deu o sinal de partida. Muita gente ficou no prejuízo. E pouquíssimos, na verdade, se divertiram com o jogo.


Por algum motivo, a crise em Wall Street me lembrou este golpe. Só que em escala bem maior. A população agora, chamada para pagar a conta da farra das elites que controlam a economia mundial, é infinitamente maior que as vítimas do aviãozinho, e o montante envolvido é um valor, que nós, pobres mortais, não temos como mensurar. O preço a pagar será alto. A grande burguesia fez a festa e lucrou como nunca em toda a história, se empanturrou. A ressaca sofrerá grande parte da humanidade. Os estragos serão conhecidos no médio ou longo prazo. E este jogo, este avião que partiu de Wall Street terá certamente efeito mais nefasto que os aviões que recentemente vitimaram os americanos. O que fazer para que o mundo não se transforme num futuro próximo, em um gigantesco marco zero?



Marcos Vinícius.