Cerca de 300 imigrantes, entre
homens, mulheres e crianças, pedem socorro no Mar de Andaman, a poucos
quilômetros da costa da Tailândia, no sul da Ásia, em um barco à deriva, cujo
resgate acaba de ser negado pelas autoridades tailandesas. “Negamos a eles a
entrada no país, mas lhe demos alimento e água em respeito a nossa obrigação em
relação aos direitos humanos”, diz Puttichat Aknachan, general da polícia
regional. Seus tripulantes,
provenientes de Mianmar, foram abandonados pelos que deveriam conduzi-los
clandestinamente até a Malásia, onde sua entrada também não é permitida. A
Malásia também tem devolvido os refugiados ao mar. Ainda hoje, dois barcos
foram enxotados do país com mais de 600 tripulantes. “Nós não deixaremos nenhum
barco estrangeiro entrar no país. A não ser que o barco esteja naufragando ou
sem condições de navegar, nossa Marinha dará provisões e depois mandará os
imigrantes embora” afirmou o primeiro almirante da Marinha malasiana Tan Kok
Kwee. A situação destes homens, mulheres e crianças é de penúria total e devolvê-los
ao mar é condená-los à morte. Há dois meses estão no mar e aproximadamente 100
deles morreram durante a viagem. Estão famintos, doentes, as mães estão em
prantos, e as crianças, em desespero e amedrontadas, pedem ajuda. Não terão. O
poder, seja lá onde for, aqui entre nós, ou do outro lado do mundo, raramente faz-se generoso e costuma exercer-se perverso e sádico. Os semi-náurfragos de
hoje são vítimas de um mundo globalizado, onde o dinheiro, o capital, possuem
liberdade absoluta para transitarem por onde lhes for mais conveniente ou lucrativo
e as fronteiras nacionais há muito deixaram de existir, mas as gentes, os
homens de carne e osso, estão condenados a cercas, muralhas e obstáculos de
toda natureza, que os impedem de uma vida minimamente digna, onde quer que
seja. Calcula-se que aproximadamente outras oito mil almas estão também à
deriva na Bacia de Bengala, nas proximidades de Bangladesh e Mianmar, de onde
provém, sem a menor perspectiva de resgate ou socorro humanitário. Muitos deles
são Rohingyas, segundo as Nações Unidas, um dos povos mais perseguidos do
mundo, uma minoria “sem amigos e sem terra”. A maioria deles vive em Mianmar,
antiga Birmânia, onde são considerados apátridas, não tem direito à cidadania,
são proibidos de se casar ou viajar sem permissão das autoridades, não tem o
direito de possuir terras ou propriedades e são vítimas eternas de ataques
violentos de extremistas que exigem que deixem o país. A bandeira dos
extremistas, próximos aos centros de comando, é a deportação em massa. Em 2012,
duas ondas de violência se abateram sobre estes miseráveis, deixando um saldo
de cento e quarenta mortos e mais de cem mil desabrigados. Bangladesh, oitava
maior população do mundo, tem a maioria de sua população vivendo na pobreza
extrema, onde mais de 52% do povo, não sabem ler ou escrever. Segundo
especialistas, a região é uma das mais vulneráveis do planeta às mudanças
climáticas e estudos recentes apontam que estas vem afetando de forma
dramática a vida humana, com prejuízos na agricultura, redução dos níveis de
água potável, com altíssimo grau de contaminação por arsênico, redução da
segurança alimentar e das possibilidades de abrigo. Estudiosos têm chamado estes
novos migrantes, de refugiados climáticos. Provenientes de uma terra que não
lhes cabe, navegando à deriva, apinhados em embarcações rústicas e
clandestinas, famintos e doentes, mulheres e crianças, sem um porto possível,
são o retrato atualizado de uma humanidade que, apesar de todo o
desenvolvimento técnico e científico, não deu conta de suas contradições mais
elementares. Uma humanidade, que já há tempos, tornou-se descartável, uma
civilização repleta de becos sem saída, uma ciência, cada vez mais subserviente
ao mundo dos negócios, e o poder, este sim, detentor de um sadismo, cada dia
mais requintado.
Marcos Vinícius.