Somos todos macacos?
Desde que me entendo por gente, e
isto não faz muito tempo, entendo que nós, humanos, somos, dentre as centenas de
espécies de macacos, uma das linhagens, que do ponto de vista evolutivo, foi relativamente
mais bem sucedida, uma vez que ao contrário dos nossos outros parentes macacos
vivos, proliferamos. Nossa espécie, que em um passado não tão remoto assim, já
foi espécie rara, encontrada em apenas alguns pontos isolados no planeta, hoje
é encontrada em qualquer parte da Terra, seja em ambientes paradisíacos, seja
em territórios completamente inóspitos. Além do mais, na guerra genocida que
travamos contra as demais espécies, fomos devastadores, muitas outras espécies
talvez tenham sido extintas, antes mesmo que tivéssemos tempo de dar-lhes um
nome. Criamos um modelo de civilização, onde além de parecer não cabermos
todos, nós mesmos, os humanos, parece também não ter direito à vida qualquer
outro ser da natureza, que de alguma forma, não esteja a nosso serviço.
Estabelecemos uma relação destrutiva com nossa parentalha animal, que condena à
morte, não apenas os primatas, mas o conjunto dos mamíferos, dos répteis,
anfíbios, peixes e aves, dentre outros. Somos, inclusive, vítimas de nós
mesmos, dadas nossas guerras fratricidas, nossa natureza bélica, nossas bombas,
gases, venenos, exércitos e aparatos militares. Os chimpanzés, nossos parentes
vivos mais próximos, a ponto de estudiosos considerarem a possibilidade de
incluí-los no gênero Homo, dada seu
grau de semelhança conosco, do ponto de vista genético, muito maior que as
diferenças, são vítimas exemplares de nossa perversidade civilizatória. Sua
população não apenas foi drasticamente reduzida, como a de todos os outros
macacos antropoides, os mais próximos de nós, os gibões, gorilas e orangotangos,
dada a implacável devastação ambiental a que submetemos o planeta, como muitos
dos sobreviventes, são submetidos aos mais cruéis dos testes e exames
laboratoriais. O fato de sermos muito semelhantes a eles, não significou que
tenham tido qualquer tipo de vantagem ou benefício, muito antes pelo contrário,
tiveram que se submeter aos experimentos mais macabros que se possa imaginar,
talvez não desumanos, bem humanos mesmo, contaminando-os com todos os tipos de
vírus, bactérias e doenças, condenando-os aos mais variados infortúnios,
medicamentos e torturas. Recentemente, causando revolta em várias entidades
defensores dos animais em geral e dos primatas e chimpanzés em particular,
mudanças na legislação americana, permitiram que chimpanzés de laboratórios já
velhos e aposentados, estropiados, doentes, estressados e deprimidos, voltassem
aos centros de pesquisa. Hoje sabemos que os chimpanzés são muito mais
inteligentes do que até há pouco tempo se ousava imaginar. Houve época que
dizíamos que uma das características que diferenciavam nossa espécie das
demais, era, junto ao cérebro avantajado, nossa capacidade de produzir,
utilizar ferramentas e trabalhar. Hoje sabemos que os chimpanzés não apenas as
utilizam também, como são capazes de transmitir às gerações mais novas,
informações e conhecimento. Não é isto o que faz uma fêmea ao dar uma lição ao
filhote de como quebrar um vegetal de casca dura, utilizando uma pedra como
martelo e a raiz de uma árvore como bigorna? E se “macaco velho não mete a mão
em cumbuca” é porque, certamente, foi submetido a algum aprendizado.
O zoólogo Desmond Morris, autor
do livro “O Macaco Nu”, afirma que o homem é dentre tantas espécies de macacos
e símios, o que levantou-se, ficou de pé, desenvolveu seu cérebro, criou um
universo cultural extraordinário, e tornou-se o mais desprovido de pelos. Ele
tem razão, e sob este prisma, somos mesmo, todos macacos. Fazer esta afirmação,
no entanto, não significa aderir à campanha “Somos todos macacos”, espertamente
criada pelo jogador Neymar junto a uma empresa de publicidade, transformando o
racismo brasileiro em mercadoria, o ódio e a intolerância em vantajosos
negócios. Diria que a atitude do jogador Daniel Alves em comer a banana que lhe foi atirada,
talvez tenha sido um gesto heróico, pois não se intimidou diante da agressão e
de certa forma, ridicularizou o agressor. Já a campanha publicitária que veio
daí, onde um bando de humanos, perdoe-me, mas imbecis, dão suas caras às redes
sociais, com uma banana enfiada na boca, afirmando serem todos macacos, talvez
seja um dos exemplos mais exponenciais de nossa degradação moral, enquanto
humanos que somos. Afirmarmos que somos macacos, nesta perspectiva mercantil e degradante, em uma sociedade conservadora como
a nossa, onde muitos indivíduos, inclusive jovens, vítimas da falta de
informação ou do fundamentalismo religioso, sequer dão fé à teoria da evolução,
pois se consideram de natureza superior, jamais comparável aos toscos animais,
serve mais para reafirmar o que dizem combater, do que falar sobre a realidade
da vida. Fotografar-se com uma banana à boca, ao contrário de significar um
rechaço ao racismo, reforça-o, na medida em que reduz a condição humana ao
lugar do ridículo. Somos mais do que comedores de bananas. Entre nós e os
outros macacos do mundo, existem semelhanças, mas existem também diferenças,
que sabemos não serem poucas. Se dissermos que somos todos macacos significa
dizer, veja como somos bonzinhos e solidários, topamos até nos rebaixarmos,
abrirmos mãos de nossa humanidade, para ficarmos iguais a eles, negros e
macacos, e é isto que parece significar, esta campanha então, merece ser
repudiada. Se a campanha é um estrago, do ponto de vista dos humanos, onde se
viu até gente de boa fé, “pagando o mico”, acredito que os macacos, caso fossem
capazes de decifrarem a linguagem que usamos, certamente iriam também
repudiá-la. Não acredito que sejamos motivo de orgulho para eles. Parecidos
conosco e vencidos na relação que estabelecemos entre as espécies, jamais poderemos
acusá-los de degradação moral. Talvez seja a diferença que recoloca em seu
lugar o “cada macaco no seu galho”. Somos todos humanos e também, como nos
prova a ocasião, de futilidade incomparável.
Marcos Vinicius.